sábado, 19 de maio de 2012

Ele e o Frio


Naquele dia ele estava sozinho. Sozinho de todos. Cansado de todos que conhecia, de todos que já havia conversado. Não queria o passado e não se apegava a uma esperança de futuro. Apegava-se ao que tinha: nada além dele mesmo, e uma alegria infame e só dele, não partilhável. Não era alegria pelo que havia vivido; não era alegria pelo que estava vivendo e muito menos pelo futuro, ao qual ele não depositava a menor expectativa. Não era uma alegria por estar vivo, nem por não estar morto. Estava tão frio. E naquele dia, naquela época, era a única coisa que havia de bom. Estava frio. Não era, estava. Não exigia e ia passar. Ia passar. Vivia isso, embora não acreditasse, nem admirasse. Não interessava se ia passar, se havia passado. Não pensava nem no passado, nem no presente, nem no futuro. Detinha-se a sentir frio. Águas dos céus caíram. Fortes, impetuosas, atraentes. Como talvez ele tivesse sido um dia. Não lembrava, pois não se lembrava do passado. Ele estava sozinho. Não tinha medo, porque não esperava nada além daquele dia. Não haveria arrependimentos, porque não havia espera. Quem não espera não se decepciona. Não se lembrou dos conselhos, porque não se lembrou do passado. Não pensou no presente, porque ninguém estava presente. E não temeu o futuro porque não esperava mais por ninguém. Abriu a janela sozinho. Pulou sozinho. E deixou os pingos, a chuva, e toda aquela água infinita, que não podia controlar nem medir, molhar o corpo, a alma, a solidão, a não expectativa e entregou-se ao que havia de bom: o frio. Quando estava com o corpo molhado, a alma molhada, o frio molhado; fez resoluções – dessas que costumava concluir pra depois ter certeza de que era algo vão. Mas soube que nunca diria para ninguém. Ele era sozinho, não mais só estava. Acima de tudo ele, sozinho, soube de algo. Não entendeu, nem decidiu, nem descobriu. Ele soube que sozinho, como ele sempre fora e agora tinha certeza disso, viveria sozinho o que de bom houvesse. Sem refletir sobre o passado, que não estava mais presente. Nem sobre o presente, por estar ocupado. E muito menos sobre o futuro. Ele viveria o que havia de bom. Ele escolheria, decidiria e não sofreria por ninguém. Não seria insensível, apenas assumiria a solidão que era castiça. Era e seria assim. Ele estaria sozinho e ninguém mediria significância. E se medisse também ele não saberia por que ele estava sozinho. Entrou no quarto, fechou a janela e o frio agarrou-se a ele. O dia passou. O frio também. Ele continuou sozinho, mas desde aquele dia, com a alma encharcada. E continua vivendo sozinho o que há. Não é preciso refletir. Estando sozinho pode simplesmente viver. Respinga em outros que não entendem de onde vem aquela distância, aquela alegria não partilhável e aquela introspecção. Disso só sabem as águas, o frio que foi cúmplice e motivo e ele mesmo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário