sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Das despedidas, resoluções e outras coisas



Do ano que passou me restou a satisfação do sonho realizadíssimo, assim, superlativo. Despeço-me sem pesares. Das resoluções, quero mais presenças. E flores na varanda. No mais, paz. Faz alguns dias descobri que solidão é não amar. Dos silêncios tenho pausas longas, intermináveis. Pausa é tempo. Silêncio também compõe música. Um dia desses caminhei de olhos fechados. Foi bom, sabe? Não sei se pelo vento que afagou os cabelos ou pela vulnerabilidade consentida. Tenho convivido bem com isso atualmente. Estou completamente desconstruído do passado, de mim mesmo, deles. Não insinuo, já disse, tenho primeiras, segundas, terceiras intenções. Depende dos olhos de quem sente. Sumirei, até por tempos longos, e pode ser de propósito. Rio amarelo. Amaria se pudesse viver uma coisa simples, sem ares de imutabilidade. Amaria que fosse chegado o tempo, sutilmente. E chegou de mansinho, antes de o trem partir. Foi bonito. Uma desconfiança: o calendário terminou ou fomos nós que começamos? Quem lê, entenda.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Baboseira Natalina


Aqui onde eu moro a noite está linda. Tem aquela mistura de estrelas cobertas por névoas que anunciam a chegada de uma chuva logo logo. Tem um mundaréu de carros , porque as pessoas querem sair pra ver o natal . A dona primeira-dama investe pesado na decoração e do lado da igreja tem um gramado com passeio que está abarrotado de enfeites natalinos. Nada de bolinhas vermelhas e douradas, nada dessa coisa brega.

Ali tem soldados de chumbo enormes, casinhas tamanho família, globos iluminados, anjos, renas, carruagens e o escambau. E tem muita, muita luz. Dá até pra sair usando óculos de sol, de tanta luz que atravessa as retinas. Tem boneco de neve e tem até neve caindo o tempo todo, vejam só, em pleno verão. Espalharam até pedrinhas brancas pelo chão pra parecer real. As crianças olham maravilhadas e erguem seus bracinhos e rodopiam e riem e acreditam que estão na vila do Papai-Noel. E eu fico prestando atenção, tirando fotos com a câmera profissional pra poder usar no portfolio depois.

E pensando aqui no fundo, com certa vergonha, que eu morro de vontade de ser o merda que estraga tudo e diz: "Seus trouxas, estão vendo aquela máquina escondida ali atrás? Sua neve vem dali, e é só a porcaria de uma espuma. Vão pra escola aprender que é muito raro nevar no Brasil. E que nevar no verão é impossível". E aí uma risada de escárnio. Isso tudo na minha cabeça. Na vida real eu fico só olhando. Tentando encontrar o tal espírito de natal. Mas sabe como é, eu não tenho mais isso não. Não dá pra ter espírito de uma coisa comercial. Sei lá, vai ver eu sou mão-de-vaca e não consigo aderir à mais uma data criada pra gente ter que gastar com presentes e pinheiros. Ou talvez seja só a minha fé. Eu tô tentando, beleza? Tô parado aqui no sofá, tentando absorver por osmose um pouquinho dessa pureza toda. Mas acho cada vez mais patético, infelizmente.

Não sei quanto tempo faz que não acredito em natal e Noel, mas sei que há anos fico pra lá de satisfeito passando essa noite em casa, com uma taça  na mão e o show anual do Roberto Carlos na tv. Sem barulho, sem abraço, sem ceia e sem falsidade. Sinto falta da vó, com seus cachinhos lindos; do vô, com seu jeitão amável; da madrinha que é meu exemplo de vida; da tia que tem a letra igualzinha à minha. Mas prefiro abraçar cada um deles em dias comuns, quando o abraço é simplesmente um gesto de amor verdadeiro e não algo que a gente se sente compelido a fazer porque a indústria diz que é o momento de abraçar e chorar e cantar musiquinhas.

Se eu acreditasse que lá no Pólo Norte existe um cara barbudo de verdade que voa pelo mundo com suas renas aladas, eu escreveria uma carta também. Diria que este ano fui um bom menino, que não fiz maldades, que vivi minha vidinha sem me preocupar com a dos outros - ainda que os outros se preocupem muito com a minha - e que não magoei ninguém, porque não deixei que alguém se aproximasse o bastante para que pudesse ser magoado.

Viver meio excluso é o jeito mais fácil de não sofrer. E pela primeira vez na minha vida, este ano optei pelos caminhos mais fáceis a maior parte do tempo. Se fosse pedir alguma coisa a alguém, não seria um iphone, nem sapatos, nem um vale compras na Colcci. Eu pediria um pouco de amor sincero, um em que não entregasse meu coração cheio de cicatrizes para quem só quer praticar embaixadinhas com ele. Um em que meu corpo fosse só a caixinha onde fica guardada a parte essencial, e não a única e exclusiva vantagem do relacionamento. Um amor onde alguém  percebesse que amar não é uma desonra, e que eu fosse muito mais importante do que  o povo da balada que agente deixaria de levar pra casa. Um empurrãozinho pra fazer a coisa toda andar mais na velocidade de trem bala e menos de carroça de sítio. E se nada disso fosse plausível, então eu pediria que a parte em mim que ainda acredita em amor fosse finalmente extinta. Que eu terminasse meu processo de fortalecimento porque, segundo Nietzche, o que não mata nos fortalece. Mas eu tô cansado de crescer, de fortalecer, de transformar em sólido o que deveria ser líquido. Cresci o suficiente, já podem desligar a máquina. Eu ficaria feliz com uns quinze centímetros a mais de altura, mas crescer à base de pancadas já deu o que tinha que dar. É isso, eu pediria ao senhor Noel um pouco de redução. Diminuir para caber. Chega de calças apertadas e abraços que não encaixam. Quero reduzir medidas, reduzir feridas, reduzir tentativas frustradas. Reduzir estômago pra sobrar menos espaço para embrulhar, cortar fora a parte que ama e sonha e não consegue deixar de esperar. Diminuir tudo até que fosse tão minúsculo que um pisão esmagasse para sempre.

Mas sendo o velho Noel ficção, não tenho para quem pedir amor ou redução. Porque amor não se pede, não é um presente embrulhado e disposto embaixo da árvore. E redução não se ganha, desenvolve-se. Não é possível amar em um minuto e não amar mais no seguinte. É um processo lento. Ceticismo é um dom, mas é preciso alimentá-lo. Independente de quantas cartas forem escritas e de quem forem os destinários, no final nossos pedidos só dependem de nós. Ou, quando pedimos amor, de nós e de mais alguém. Mas então, se eu tiver que optar por um caminho, vai ser o da redução, porque poxa, falta muito pouco para não sobrar nada de mim que não esteja contaminado por sarcasmo. São só mais alguns passos. Só mais um pouquinho e chego no topo do morro, uma perfeita muralha construída ao meu redor. É por aí que eu vou.Eu quero uma companhia, por favor.Essa é uma estrada cheia de pedágios e eles são tristes demais para que eu arraste alguém comigo eu sei, mas será pedir demais ter alguém comigo que queira arriscar? Tô bem com a minha mochila vermelha nas costas. Não vem com essa de "volta pra cá, não vai por aí que aí só tem escuridão e solidão e desespero". Não me enche com histórias sobre o espírito de natal, tempo de querer ajudar. Espírito de natal o caramba, falou?

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Chance nº 880

voa coração. ou então arde" (Eugénio de Andrade)

São presenças que vão se tornando lembranças. Abraços que viram poesia no coração ao mesmo tempo em que acontecem. É que ele começa a arrumar as malas e começa por dentro. Faz dias retira excessos e, surpreso, era quase tudo excesso. Foi quem partiu muito depois do que deveria, foi quem voltou quando não mais se fazia necessário. Foi quem apareceu tarde. Foi quem finalmente surgiu. Foi o tempo dedicado. O tempo perdido. Foi. É tempo. De esvaziar o coração para se preparar para o novo, de guardar o que se deve guardar, se é que se pode. Finalmente começa a brilhar uma luz no fim do túnel quando ele já estava gostando do escuro. Ou se acostumando, tanto faz. São palavras que se moldam novas, castas, como jamais existiram. É que tem nas mãos a chance. Uma chance bonita, sonhada. E uma pressa de viver definitiva. Porque a oportunidade tão esperada já espreita muito perto. E agora ele se despe de todos os pretextos e vai.

sábado, 17 de dezembro de 2011

O Carinho dos sentimentos expressos

-Não sei por que você me ama!

Devo dizer que perdi a conta de quantas vezes ouvi essa frase. E fico em meus pensamentos tentando entender se pertenço a uma raça superior por realmente conseguir amar pessoas que “teoricamente” não mereciam meu amor. E alguém merece?! Asseguro, hoje, sem medo: o amor que eu expresso não vem de mim. Não resistiria. Não seria tão altruísta, abnegado e puro. É um amor que eu recebo e, por transferência, sem o mínimo esforço, mas algumas vezes mais intensamente, por escolha, passo adiante. Isso explica a naturalidade com que meus sentimentos, e escolhas, se apresentam, derramam, exalam. Está decretado: eu amo! Amo bem simples porque é assim o amor que recebo. É isso que o amor é para mim. Simplicidade. Tranqüilidade. Paz. Nada. Ninguém, nem situação alguma podem tirar a simplicidade do amor, a não ser que permita. E não permita!!! Por mais novo que possa ser o carinho destilado pelos sentimentos verdadeiros expressos. Amor é deliciosamente puro e natural. Amor não pede nada. Não espera reciprocidade, embora possa desejar. Ele é lindo, ainda que sozinho. Porque ele é completo. Não precisa de uma cara metade, não precisa de outro para completá-lo. Amor é inteiro. E o amor que sinto, independe de pessoa, distância, ações, escolhas ou tempo. E só eu sei por quê.

Solidão

Naquele dia a solidão me abraçou outra vez. Desta vez mais abusada. Abraçou-me, atrevida, em meio de todos eles. Eu falava e disfarçava, mas ela já espreitava prometendo que não me deixaria. E não me deixou. Irônica. Nos seus braços, mais uma vez compreendi o quanto é bondosa em não me deixar esquecer. É a solidão que me ensina que não posso ser metade, preciso ser inteiro. É ela que me livra, ao prender-me a mim, ensinando-me a aceitar esta condição de liberdade absoluta. É ela que me faz independente. Leve impressão de que ela me deu um tempo e vai lentamente afastando-se, despedindo-se com o toque em minhas mãos. Em seus olhos, a sempre certeza irônica de que, não importa onde, como ou com quem esteja, ela sempre voltará para mim.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Decisão


Faz alguns dias ele resolveu aceitar a companhia, a amizade e o carinho. Resolveu aceitar que passado a gente não esquece, mas presente a gente é que escolhe. Ele entendeu que problema que a gente inventa é a gente que resolve. E ele resolveu. Assumiu o afeto escondido (pois amor não se esconde, irremediavelmente). E decidiu aceitar. Depois de muito pensar ele decidiu dar uma chance a isso. E a ele,principalmente. Arrumou o coração e permitiu os prós de uma companhia, a despeito dos contras. É o preço do amor e ele resolveu pagar. Aceitou o sono compartilhado, aceitou as dificuldades e as delícias da companhia constante, aceitou dividir os planos, o cansaço e outras coisinhas. Amor quando acontece é assim: sem desculpas. Ele entendeu que alegria pode ser escolha e não sorte. E que quando a gente não encontra paz em alguém a gente se faz a paz de alguém. Ele descobriu que a gente pode ser o lugar de repouso que tanto procura. E ele anda todo feliz desde o dia que escolheu que assim seria! Ele aceitou, resolveu, decidiu: ia ser amado. E ponto final.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Teimosia



Em um silêncio maior de todos os tempos, reconheço-me e passo a aceitar o que é necessário de mim. Há toda uma leveza em meu olhar por agora entender o tudo que os outros podem me doar. É menos do que eu esperava, mas é tudo que eles podem. A mim só cabe escolher entre renegar ou aceitar a parte que me cabe. Corro agora trás do meu sorriso, o que se perdeu antes desta descoberta. Aquele que não esperava nada, porque não precisava. Agora  quero de volta para ensinar que  deve permanecer ‘apesar de’, e assim será muito bom para todos nós. Ainda bastante perplexo com as loucuras que tem acontecido com meus dias e meus amores, coloco-me em resignação absoluta de quem não pode modificar o futuro, mas tem algum poder de mudar o presente, como sempre é possível através das escolhas. Minha escolha é honrar minha existência com a revolta no espírito que me conduz a teimar e ser diferente do que me é imposto. Teimosia sempre foi meu maior defeito/qualidade. Sempre foi o que me fez errar, mas o que me fez acertar. Sempre paguei alto por insistir em ser assim. Mas não poderia ter acertado jamais se não consentisse em errar outras vezes. Tento ser generoso não por bondade, mas por teimosia. Se o óbvio é me tornar frio e cínico depois de traído pela vida, teimo e decido oferecer aos outros o que não ofereceram para mim. Nada de beneficência, teimosia pura. Teimar não é meu. Sou eu. Vou teimar com quem cruzar meu caminho, e procurar viver uma relação diferente e sempre fugir do que é previsível. Não é desprendimento, é teimosia. Foi por teimosia que eu disse que ninguém tiraria meus sonhos. Não foi persistência, foi teimosia. E teimo e insisto em acreditar, sabendo que vou e posso me decepcionar. E se isso acontecer, teimo em esquecer e esqueço. Sempre foi assim.

Aqui comigo

Vem, pode vir. Chega mais perto. Senta aqui. Aqui comigo. Prometo o silêncio, se melhor for. As palavras, se as desejares. Deixa realizar meu desejo de cuidar de você. Não é altruísmo, embora possa disfarçar-se disso. Sei lá... Pode até ser um egoísmo pequeno. Ou grande. Porque cuidar de você faz eu ficar tão bem. Então disfarçado de altruísmo fica perfeito pra nós dois. Melhor assim. Se isso for algum egoísmo, imagino que ser egoísta pode fazer bem. Então como seria um contraste, cria outro nome pra isso. Chama como você quiser, eu desejar cuidar de você por amor a mim e beneficiá-la com isso também. Não chama de egoísmo, nem de altruísmo. Melhor: não chama. Mas vem.

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Primeira Pessoa

Eu estou silêncio. Ando em profunda quietude. Desconstruindo os impossíveis, reaprendendo o possível. De poesia tenho o pão quentinho que alivia o cansaço do dia e me faz divagar que sempre há algo bom, pequeno ou grande. Eu estou ausência. Ando em profundo segredo. Permito-me a poucos. Eu estou resignação. Ando em profunda humildade. Aceito da vida a incerteza dos dias e respiro a esperança de amar sempre melhor daqui a alguns minutos. Eu estou repouso. Ando em profunda calmaria. Mergulhado lá no fundo da alma. Quieto, admiro os fatos surpreendendo-me sem sustos. Eu estou palavras. Ando em profundas citações. Coleciono aforismos e gargalho subjugando máximas. Troco de verdade todos os dias. Essa é a de hoje. Eu estou liberdade. Ando em profundo alívio. Experimento sabores e cores. Tenho companhia. Eu estou cumplicidade. Ando em profundo compartilhar. É carinho e seus sinônimos. Eu estou paciência. Ando em profunda espera. Vai passar. Caminho devagar. Estou voltando. Devagar, devagarzinho. Ando tão diminuitivo. Eu estou sentir. Ando emoções. Que se expandem, ganham proporções absurdas e depois se vão. Quase sempre sem saudades. Eu estou diferenças. Ando me desconhecendo. E me reconhecendo, principalmente. Eu estou saudades. É meu termômetro favorito. E eu me sei amor. Eu estou resiliência. Ando resoluções. E faço-me despedida. Assim seja.

sábado, 5 de novembro de 2011

Pra Você que não me ler.

Lá vai. Este é meu primeiro texto pra você. Justo pra você que não me lê. Que acha que eu devo largar essa coisa de poesia e romance, você que acha que isso me faz mal. Você que lê meus cadernos de rascunhos, meus textos brutos. Você com toda essa sinceridade merece a minha sinceridade também. Embora você tenha entendido tudo errado da única vez em que eu disse que te amo. E eu tive que ficar uma semana tentando te convencer que era amor de amigo, que inclusive é o mais puro amor que eu consigo sentir por alguém, aliás, talvez seja o único amor que eu sei sentir.

Escrevo pra você. Pra você que odeia as músicas que eu ouço. Que não gosta dos filmes que eu vejo. Que me obriga a assistir filmes de terror, que me liga de madrugada pra dizer que ganhou no jogo de cartas que acabou de terminar. Pra você que me deixa dormir na cama maior, que sempre me dá os presentes perfeitos, que fez questão de esquecer que eu te fiz sofrer. Você que me liga pra contar que está namorando, justo pra mim que demorei meses pra te contar que estava, mas que te liguei assim que não estava mais. Pra você que me atende na sala de aula, no meio do expediente do trabalho, pra você que diz pra tentar ser feliz, e esquecer o que passou. Pra você que me ouve te ligar chorando, e que sempre me faz rir antes de desligar.

Eu, estou aqui. Te escrevendo, lendo nossa relação pelas minhas palavras. Você que me abraça forte, uma, duas, três vezes seguidas e eu nem preciso dizer porque estava com tanta saudade de um abraço forte. Você que reclama da minha comida, mas tem vindo almoçar comigo toda semana. Você que desconfia que eu te amei desde o começo, e não sabe que eu te detestei quando te conheci. Você que fez comigo um pacto de não nos apaixonarmos e de nunca ficarmos, e você que me fez descumprir o pacto mais idiota que eu fiz na minha vida. Você que me escreve pra saber como está o sol, como foi a viagem, como vai minha procura por trabalho. Você que deixa seu cheiro em meus dedos depois do abraço, que me diz quase toda semana “tudo isso é pra você, admita”, você que eu acho que me ama sem saber, você que eu já achei que amava um dia. É para você que eu escrevo, e eu queria que alguém como você fosse o personagem principal dos meus textos, mas alguém como você não existe. E te escrever é o que posso fazer, este é meu primeiro texto sobre e para você, que não lê o que eu escrevo, mas lê minha alma e meus desejos.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Boneco de papel machê



Um momento pode ser só um pedaço de tempo não apreciado que você deixou passar. Ou pode ser algo mais. Pode ser único, mas se você resolver deixá-lo ir embora é apenas um punhado de minutos sem sentido. E você cala, consente, não vive. Lacra a boca para não desperdiçar palavras e sentimentos, como se a economia deles levasse a algum lugar melhor no final. Você tenta preservar, mas nem sabe qual parte de você está cuidando. Você cala e fecha os olhos. Crava as unhas nas próprias mãos com os punhos serrados até os nós dos dedos ficarem brancos de pressão, depois afrouxa tudo até ficar tão mole quanto uma tristeza seria se pudesse ser alguma coisa sólida. Mole, pesada, viscosa, pegajosa. Você taca o momento e a tristeza na parede mais próxima; a tristeza gruda, o momento cai e estilhaça. E você deixou passar e nem sabe por que. Medo?Autocomiseração por sua deficiência amorosa? É pena. Pena pelo resultado que você julga que será ruim. E insegurança. As partes que compõem alguém sem otimismo algum guardado na gaveta da escrivaninha. Alguém que cresceu lendo histórias tristes e aprendeu a vivê-las também. É você. Você e sua covardia intrínseca que impede a rebelião. Os instintos te impulsionam e você pensa “agora vai, agora eu consigo” e abre um sorriso só para fechá-lo de novo quando percebe que não consegue porra nenhuma. Esses são os momentos que você deixa passar. Ruidosamente silenciosos. Uma dor disfarçada com morfina genérica.

Em algum instante frágil me dei conta do amor e seus tantos “poréns” latentes. O desperdício do carro parado na garagem, as mãos frias e sozinhas, o estrangulamento na garganta, quando tudo poderia sair e aliviar se eu apenas dissesse que te amo. Eu tive alguns momentos que nunca poderei reviver, mas está tudo bem. Eles existiram, tão certo quando o coelhinho da páscoa existe para uma criança. Não, já não sei. Eles existiram ou foram delírios de uma febre sem cura ou precedente? Havia você também ou apenas eu? Seu corpo esteve mesmo em meu sofá ou eu imaginei a cerveja fazendo uma borda de água no chão? Foi um sonho, eu acho. 

Uma espécie de pesadelo lindo – se é que isso existe – assim como seus olhos frios. Penso que na vida real você nunca mexeu em meu cabelo, discou meu número ou segurou aquele texto – como se fosse um tesouro – que eu mesmo rabisquei. Na vida real o livro que eu te dei não está guardado em sua estante, mas sim jogado no lixão lá da sua rua. Na vida real você jogou tudo fora e eu te deixei passar. Passar de vez, ou para o próximo mês, ao menos. E em troca estagnei minha vida em uma espécie de espera inútil e clichê. O momento não voltará. Ele foi embora com você.

"E se você resolver agarrar o momento?”, perguntou-me. Aí, então, você pula. Para frente, bem adiante; não para trás como foram antes seus passos cautelosos e lentos. Você congela os minutos por um curto espaço de tempo para viver algo que mais tarde será uma memória bonita e envelhecida, mas que ainda terá o cheiro pelo qual você se apaixonou. Uma lembrança que ainda te fará sorrir sozinho. Você fala sem pensar tudo que sempre quis dizer. Conta sobre o seu amor. Sobre a saudade. Você não pisca, mas ele sim, porque o momento é importante apenas para você. Observa reações, manipula seus trejeitos para não dar tão na cara e até chora se quiser. E você pode acabar ficando sozinho no final, decepcionado e humilhado. Pode sentar no chão e achar que ninguém jamais conseguirá a façanha de erguê-lo dali, mas você tentou. É o seu consolo, a única coisa que te deixa dormir quando encosta a cabeça no travesseiro.

Isso tudo eu respondi sem conhecimento de causa, é claro. Como um professor que estudou muito a matéria a ser ensinada, mas nunca a experimentou na prática. Infelizmente meus momentos são mais rápidos que eu; voam velozes pelos ares. Tentar segurá-los sempre se provou uma perseguição inútil, um suicídio dividido em pequenas porções. Eu já desisti. Desisti de muitas coisas, mas confesso que a mais triste foi deixar de viver novos momentos. A conseqüência é a dor de cabeça da insônia. É o que pesa mais porque, à noite, os momentos deixados para trás gostam de assombrar o parque de diversões. À noite os momentos são fantasmas, espíritos crueis que não querem ficar sozinhos e não te permitem fechar os olhos. Ou te acordam na madrugada depois de um susto que fez você agarrar o cobertor e saltar na cama.

“E se você pudesse escolher um momento?”, perguntou-me. Ah, não sei. Acho que seria aquele em que você nem estava tão próxima assim, mas eu te enxergava por inteira e seus olhos eram apenas meus. O dia em que você sorriu e disse mentiras que eu preferi crer que fossem verdades. Ou então quando você me deu um beijo estalado; eu arregalei os olhos de surpresa e você riu, lembra? “Você escolheria um momento brega e clichê?”, questionou-me com desdém. Sim, escolheria. “Você, o durão?”. Não. Eu, o boneco de papel machê derretido pela chuva da solidão.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Labirinto

Interiormente preso, correndo em círculos que eu mesmo criei. Sempre fugi, como se isso alimentasse em mim a suposta idéia de que seria melhor.Fico horas olhando uma linha, tentando escrevê-la e pensando em uma maneira de não ferir ou julgar algo/alguém com o que disse.

Não consigo mais fugir, com dúvidas cada vez mais difíceis de serem respondidas. Não tenho como me resolver. Eu sinto falta dos teus dedos desenhado linhas involuntárias e bem traçadas sobre meu peito, tornando-as mais completas que as linhas da minha fala. É do cheiro dos teus olhos enquanto tocava minha cintura com a mais brusca lucidez. Falta da tua ligação que me tirava o sono imaginando meu dia acalmado sobre teu encanto. 

Vontade imatura de ouvir você falando sem parar e eu dormindo sem querer prolongar essas noites do seu lado. Desejo do abraço das suas pernas que meus braços nunca sentiram.Eu nunca estive "aqui" pra nada. Sempre deixei acontecer, mesmo sem querer.
Só que agora, agorinha, eu não consigo esperar o tempo fazer acontecer. Eu tento segurá-lo, mas foge mais rápido do que eu mesmo do meu próprio labirinto. Eu preciso aprender a dançar meus dias, cantar minhas manias e beijar meu tempo... eu só não sei como fazer isso.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Se o quadro é em preto e branco, colorir é disfarçar (Poléxia)



"O som que faz quando um de nós se vai" canta a banda que já acabou e eu lembro de nós, que ainda não sei se acabou. O luar de hoje mexeu comigo, sua ausência enchendo o quarto, por onde vejo o céu escuro pela janela, a mesma janela onde  tempos atrás eu te observava chegar, te jogava a chave e te esperava de braços abertos e coração disparado. Exatamente aquela coisa dos amores adolescentes.

Não me consola saber que em algum canto aqui está você, quem sabe olhando pra essa lua, quase sumida, e pensando em mim também. Talvez buscando alguma explicação, uma resposta, ou formulando ainda mais questões, tentando entender meu lado filósofo poeta, que pensa sobre o que sente e sente que pensa demais. Não vou pedir pra não pensar, eu quero o equilíbrio, o amor racional, o amor ponderado, que essa nossa intensidade toda me cansou.

Eu queria mesmo um amor de corda bamba, mas agora eu quero andar no meio fio, que eu sei que se eu cair não me machuco tanto, nem haverá pranto. E o cara continua cantando: " Eu não quero um outro alguém/muito menos se for/p'ra esconder o nosso bem / em um falso sorriso/ Pense muito bem/ nesse abrigo indeciso/ Outra foto no mural/ e eu fui cuidar de mim/ Fui procurar ajuda para um coração/ trincado pela culpa,/ vazando sem perdão/ Eu errei fazendo a coisa certa/ E, perdendo toda a essência/ acho até que não preciso de você/ quando preciso de você".


PS: Texto com trechos da música "Eu te amo, porra! da banda Poléxia"

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Do outro lado: o de dentro


Tarde de quinta-feira, ela encostada em qualquer canto, talvez esperando alguém, buscando um rosto conhecido, talvez fosse estrangeira, ou só se sentisse assim, talvez nada disso. Um belo rosto, emoldurado por cabelo curto, desregulares e negros, como hoje em dia é comum de se ver. Enquanto a observo crio teorias sobre sua espera, sobre sua vida, e não a crio como provavelmente me atrairia, a crio como se eu a criasse apenas para desejar que não exista.

Dei nome, matei o pai, dei dons, dores, tirei um grande amor. Uma vida não muito espetacular, mas nem tão comum. Não sei quanto tempo ao certo demorei para desenhar este personagem vivo e inexistente que inventei, mas quando decidir tomar um gole do café, este já estava frio. Eu não vi o tempo passar, enquanto ela parecia controlar os segundos da espera. Reparo que ela tem uma flor nas mãos, uma rosa vermelha, envolta em um papel preto. Não estranho. Imagino agora que ganhou de seu novo flerte, e que fica ali estática e ao mesmo tempo movimentada esperando a amiga para deslanchar a falar sobre o ocorrido.

Enquanto disfarço meu súbito interesse, finjo anotar algo, consulto o celular. Quando levanto os olhos novamente, lá está: ele, recebendo um beijo demorado, um abraço de saudade e uma rosa vermelha. Dessa vez estranho. Não tenho visto mulheres ganhando flores, ainda mais homens. Desconfio de que minha história não tenha o menor sentido. E já não vejo nexo em continuar imaginando quem será ela, que presenteia seu amor com rosa vermelha. Envergonho-me. Não sei se pelo fato de ter sido percebido um observador fiel do ocorrido, ou por ser homem e me imaginar invadido em minhas cenas românticas, de ter o manual de como agradar sua parceira, roubado pela própria parceira, é como ser agredido por alguém do mesmo time.

Descobri naquela tarde, que alguns homens podem gostar de ganhar flores. Que os papéis podem se inverter. Talvez seja eu quem espera encontrar o rosto conhecido de alguém na rua. Quem sabe o meu próprio, quem sabe, do outro lado, o de dentro, eu só esteja esperando alguém capaz de me presentear com flores. 

domingo, 2 de outubro de 2011

Eu te vejo se queixando das minhas dúvidas matinais, cada vez mais fora de si. Eu me vejo ficando cada vez mais livre, com mais vontade de ir do que te trazer pra perto. Te olho com vontade de sorrir, mas isso me impede quando quero ir mais além do que eu mesmo posso imaginar. Me pego olhando pra você sem querer dizer nada, sem querer sentir nada. Vou me culpando por não ser quem deveria, por não fazer o que queres. Mas não posso ir mais do que isso, eu sinto que não deves ser assim. Não teime comigo, se eu disse que não, é difícil que eu volte atrás. Tente entender, eu não sacio vontades de ninguém. Muito menos as minhas. Te vejo me olhando tão lindamente,  com tantas formalidades e de honras para brindar junto a mim, mas desvio minha atenção quando fala mais do que deveria. Eu não deveria ser quem busca para te aceitar. Eu não queria que fosse assim, te olhar, te querer e me prender ao que não vivi. Do contra, pra variar, não tenho o que me impeça de te ver, de estar preso aos teus dias. Eu simplesmente não quero realizar minhas esperas. Não quero dormir e acordar com alguém do lado. Não quero ter que explicar o porque disso ou daquilo. E não é que eu esteja curtindo solidão (por mais que digam que não, máscaras forjaram meus momentos a sós), mas eu não quero me perder disso. Eu vejo, agora, agorinha mesmo, enquanto termino de escrever isso, você conversar sobre nosso gosto em comum como se eu não tivesse recusado suas ligações e pedidos para me ver, e é isso que eu realmente quero. Quero te ver da maneira mais intocável possível, assim, com esse teu jeito de me conduzir bem aos poucos, sem pressa, sem hora e muito menos planos.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Eu prefiro ser

Não me contorço tão violentamente assim, porque de uma coisa eu tenho certeza: a frieza é a minha melhor (ou pior) amiga. Faz parte. Uns são quentes demais que transbordam tantas coisas que não passam de grandes e belas mentiras. Outros são tão frios que, mesmo tendo grandes e belas mentiras, não transbordam tanto quanto deveriam apenas para dizer que sentem. Sabe, eu sou assim mesmo. Talvez a segunda opção misturada com a primeira linha. Assumo essa, toda e qualquer culpa, mesmo ela sendo roubada de terceiros. Nada posso, nada conseguirei desse jeito. Mas eu não me lembro de ter escondido quem eu era. Dói saber que faço mal, proposital e gratuitamente, causando dores (óh) de amores incuráveis com golpes de faca nas costas. Mas isso faz parte, repito. É bom pra perceber o quanto é ilusório o gostar e o querer bem do outro (ou até de nós). Se faço tanta besteira e chuto o balde diariamente com os brotos e gurias da vida, porque continua a manter contato? Tudo bem, eu não preciso e nem quero essas respostas que consomem minha mente. De maneira alguma. Não quero essa artilharia pesada e barata pelo simples prazer de travar uma batalha. Eu só acho que.... não, eu não acho nada. Não vou esquecer o que me disseram nem voltar atrás. Pode levar toda a verdade que acredita, essa que próprio criou. Verdade esta que deixou escorrer pelos meus dedos, ouvidos e alma por uma culpa v-e-l-a-d-a. Esse peso de injustiça ou seja lá o que isso for não irá me fazer parar, nem cansar. Muito menos me fará questionar os meus próprios valores. Tenho plena consciência do que eu fui e do que eu sou. De quem eu serei, nem tanto, mas estou ai para viver e aprender com todo e qualquer erro. Até mesmo com acerto. Nessas horas a gente percebe quem realmente está com você e quem sabe quem realmente és. Esse gosto de impunidade maquinada não irá amargar meus dias. Sinto muito pela sua ida, mais do que qualquer outra vida que já me disse adeus. Não precisa acreditar, eu só sinto. Sinto muito mesmo. Mas eu sei reconhecer a hora de "atender" um pedido e fechar as portas. Não guardo mágoa nem rancor. É só uma dorzinha que insistirá em doer quando eu menos esperar e é uma saudade que eu sei que não acabará.

Perdoa o drama e não desiste (de mim)


Clarinha,
Eu não aguentei, tive que escrever isso pra você. Desculpa se estiver soando estranho pra você, mas sinto falta de quem era.
Sabe aquela alegria que você sempre passa pra quem está do seu lado?
Aquela que quando uma pessoa está com problemas ela até esquece só por te ter como companhia?
Aquela, Clarinha, que fazia você esquecer dos próprios problemas.
Eu estou sentindo falta dela.
Lembra que você costumava fazer piada de tudo e rir de tudo como se nada mais importasse?
Lembra que você era a primeira a se dispor pra fazer alguém sorrir ou apenas ficar quietinha segurando a mão da pessoa olhando pro seu rosto com vontade de dizer "eu estou aqui"?
Lembra que o mundo podia acabar, que você só se importava em dar risada?
Eu estou sentindo falta disso.
Você anda cansada, com o espírito triste e a mente vazia. Cadê aquela juventude, aquela vontade de viver que você passava pra mim?
Ah, sabia que eu só continuei a trabalhar aqui porque sabia que você me apoiaria, mesmo que todo mundo apontasse o dedo pra mim? Eu continuei porque você estaria presente todos os dias, e era como se eu estivesse todas as horas com a minha filha (desculpe a comparação, mas eu sinto que você é a minha filhota que eu preciso ter sempre por perto).
Eu estou sentindo sua falta.
De quando você ria sem parar, de quando você cantava "Eu vou tirar você desse lugar" pra mim e me fazia acreditar que gostava de músicas bregas, de quando você tinha tempo pra tudo, mesmo não tendo tempo pra nada, de quando você encostava o queixo entre os punhos e ficava sorrindo sozinha, lembrando de alguma coisa que aconteceu. De quando você não pensava pra dizer as coisas, de quando você não carregava o mundo nas costas e não se importava com o que iria acontecer se algo desse errado.
Eu estou sentindo falta da sua felicidade.
Quando você vai voltar a por os pés no ar e pular de um sonho para outro, de paixão para outra, e deixar as pessoas se aproximarem de você?
Volte a ser feliz, Clarinha.
Por mim.
Por nós.
Por elas e eles.
Por você.

Não demora muito, tá? 

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O pesadelo





Sonhei com você. Não aqueles sonhos bonitos que a gente costumava ter. Mas aquele sonho que estraga qualquer véspera de feriado. Você em prantos, numa cadeira de rodas, olhando a chuva cair, soluçava enquanto me dizia: "olha só o que a gente se gostar fez". E eu me ajoelhei pra te abraçar, pra te oferecer piedade, ombro, e o resto em caquinhos do meu amor.

Veja só, o que a gente se gostar fez com a gente. Veja só quão triste é isso da gente não conseguir mais ir pra frente, caminhar, continuar, se não for com o outro nos empurrando. Veja só essa ação paralisante desse amor que é doença, mas não existe vacina pra previnir. Eu quis tanto ser tua paz, teu abrigo, aquele lugar pra onde você corre quando tudo dá errado, e sabe que ali está protegido. Eu quis tanto, e tudo. Enquanto você queria o que ainda nem sabia, não queria paixão, queria amor mesmo, de pé no chão e sofá no domingo. Eu queria também. Por que será que a gente não quis o mesmo, ao mesmo tempo? Por que será que a gente se querer não bastou?

A gente queria mais, queria tirar o outro da zona de conforto, como se amar fosse estar na linha de frente, sempre. Eu gritei, você gritou, a gente se machucou, por dentro, por fora. Veja só o que o amor faz com quem não sabe amar. E essa paralesia, e a gente sentado, olhando a chuva cair, pensando: Olha no que deu a gente se gostar. Que Deus me livre. Que Deus te livre. Que Deus nos livre de outro amor assim. Amém!

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Conveniência



Eu queria entender esse amor quase imediato. A histeria do abraço que não dilacera como os outros faziam. Antes tudo doía; qualquer toque, cutucão ou afago. Estava estampado em meus olhos: fique longe, por favor. Agora não dói, é mais como uma fuga do amargo para o doce. Tudo que antes parecia propenso a morrer, agora parece cada vez mais vivo. Gostaria de ter respostas. Como eu caí na profundeza de um balde que parecia raso e, no fim, era um oceano? Não entendo, mas até o canto mais vermelho do seu olho direito irritado pela lente de contato me encanta. Seu braço adormecendo sob minha cabeça e eu na vida paralela de achar que não pode ser verdade. Você me acorda durante a noite pedindo um abraço e eu te acordo no meio da noite para ser salva de um pesadelo cruel. Você é mais suave e eu sou o empecilho que imponho ao meu próprio caminho. Você ronca e nem isso incomoda porque na manhã seguinte você continua ali. E passa o braço sobre meus ombros como se para comprovar que não foi embora. Logo cedo eu encaro a realidade que antes não existia. A cama não está vazia.
Essa história de tampa de panela e metade da laranja já passou da conta. Você é o Kinder Ovo. De tudo que se completa, como tequila e limão, nada é mais perfeito como chocolate branco misturado com preto. Você gosta do brinquedo surpresa e eu gosto de você. Sempre achei que seria o sal do limão, apenas o temperinho, a amiga sozinha com mil gatos na varanda de casa. Ficando velho junto com os chinelos e o chimarrão. Mas agora faço parte de um Kinder Ovo grande embrulhado em amor.
Você me faz rir e isso deve ser bom. Quero dizer, rir de verdade. Como quando você atravessa a rua correndo e finge um tropeçar. Ou quando me entrega sacolas e mais sacolas de mercado e acha que tudo é leve. Quando me faz correr e saltar no seu colo sem dar uma paradinha estratégica antes. Nós rimos até quando as luzes se apagam e ninguém mais ri. Rimos depois de chorar. Eu sou forte e você é forte, mas nós choramos. Vai ver é porque somos de verdade. E você se sente fraca e eu quero te dar toda a minha força até ficar minguada, mas tudo que posso fazer é passar a mãos nos seus cabelos recém cortados e dizer que tudo vai dar certo. E que você é, sim, quem eu queria para mim.
Você tem suas dúvidas e, deitado no sofá, dá vida a todas elas. Acha que não me protege, que não tem o porte que eu necessito. Que não é  quem eu queria ter, quando nem eu mesmo imagino outro pessoa para mim. E eu, pequeno dentro do seu abraço, sinto que nada pode me atingir ou abater. É controverso, mas você não pode enxergar a segurança dentro de mim. Não sou um filme compreensível, com início, meio e fim. Tenho, no máximo, o meio. Você diz, em um falsete da sua tristeza, que não foi feito para mim. Que é apenas conveniente. Eu digo que não desejava ninguém. Não tinha uma imagem desenhada na cabeça. Queria mesmo era ficar sozinho, porque essa é a grande conveniência da minha vida introspectiva. Conveniente era não ter com quem me preocupar. Não precisar cogitar o futuro, nem mesmo sair de casa. Conveniente era achar vestido branco e aliança a coisa mais absurda do mundo. Conveniente era ficar comigo mesmo, a melhor e a pior companhia de mim. Conveniente era poder ser louco e respirar aos poucos sem pensar mais em viver. Deixar os dias passarem no marasmo, até que resolvessem não mais passar. Não é conveniente amar você, nunca foi. Porque agora eu me pergunto se quando deixo cair os braços ao lado do corpo em desistência não estou ferindo mais alguém além de mim. Agora tenho medo por dois. Vivo por dois, quando nem mesmo aguentava minha própria vida. E, as vezes, vivo apenas por você, porque sei por suas lágrimas que você precisa. Não ultraje minhas memórias e sentimentos; se isso for conveniência, não entendo o conceito de amor.
Atrás da cortina de tudo que sempre escondi, há agora uma coisa exposta. Uma delicada e frágil estabilidade começando a atravessar uma ponte bamba. Mentiras irão quebrá-la e conveniências também. Porque nós não somos feitos para outros. Somos feitos para nós. Então, acho que é amor, principalmente porque quando estou escondido embaixo do edredom, tentando fugir de meus medos e possíveis passos errados, é em você que penso. É amor, tenho certeza. Já tive uma quase certeza outras vezes, mas agora tenho a certeza de que você também tem certeza, apesar de fraquejar como eu. Temos certeza, temos amor, temos a nós. Então, nada mais justo que a única conveniência em nossa vida seja a lojinha de posto 24 horas onde paramos para comprar salgadinhos, halls e Kinder Ovo no meio da madrugada.

domingo, 4 de setembro de 2011

Esparramada



Eu gosto de você espalhada pela casa. Deixando o tênis jogado na porta do banheiro, o livro no braço do sofá, o rímel em cima da cama e um recado na geladeira: "Bom dia, meu amor. Que o dia seja lindo como você dizendo que sou sua". Eu gosto de você espalhando seu cheiro pela casa, espalhando cabelos pelo chão, saliva pelo ar, seu amor pela minha vida.

Eu gosto do seu jeito despojado, de dormir de moletom velho, passar o domingo de camiseta desbotada, do palavrão que você solta durante o jogo de vídeo game, do jeito com que você diz que pra mim não precisa pedir desculpas pelo palavreado, que eu tenho que aturar. Não, eu não tenho, eu aturo porque gosto. Eu gosto desse jeito que você se permite ser comigo.

Eu gosto de você espalhada pela minha vida. Com declaração de amor nos meu livros de ficção científica, com o café às dez da noite, com a preguiça de passar as calças jeans. Eu gosto do seu jeito já tão impregnado em mim, nos meus pequenos hábitos. Na marca da pasta de dente que troquei desde que sorrateiramente você se mudou pro meu ap. Eu gosto da sua vaidade espalhada no banheiro, com cremes, três marcas de shampoo, sabonete exfoliante, e tudo o mais que você acha que precisa pra ficar bonita.

Eu gosto do seu lado rude de dizer sempre a verdade, ainda que doa e que seja em você. Eu gosto dessa força que você mostra, dessa independência que você acredita ter e que faz todo mundo - menos eu - acreditar também. Eu gosto que você goste de futebol, Fórmula 1, humor inteligente, política, e tantos outros assuntos.

Eu gosto de você quando chora porque não tem a bolacha que você queria, porque o trabalho acumula sobre sua mesa e o que você queria mesmo era me fazer de travesseiro e poder descansar. Eu gosto de você frágil, expondo seu medo de dormir sozinha e de me perder, mesmo sabendo que são só três dias de viagem e que eu volto logo. Eu gosto de você dependente dessa vida que a gente constrói cada dia um pouco, essa vida de, quem diria, um casal adulto que tem tudo pra ser feliz. Eu gosto de você porque nega essa convenção, mas deseja isso sem dizer.

Gosto de ficar olhando você escrever coisas que às vezes nem sei o quê, gosto de você tentando tirar uma nova música, de você pedindo pra eu parar um pouco de trabalhar e olhar pra você, com a minha camiseta do Strokes e o violão, cantando alguma coisa como aquela do Aerosmith. Gosto como você enrola no inglês, se atrapalha na troca dos acordes, e termina dizendo: então é mais ou menos isso. Gosto de você, mesmo que eu me atrapalhe pra dizer, pra mostrar e até pra sentir. Então, é mais ou menos isso. Gosto de você espalhada na minha vida.

Outono Imperador




O coração sofre uma espécie de cãibra,
deve ter papilas que tornam a dor pensada em dor ácida e deixa o corpo todo doído.
É que chegou, imperativo, o desespero.

Desespero de quando a casa vazia, de repente, se lota.
Crianças, portas batendo, cochicho, fazer café, colocar fronha, sorrir, presentes, conselhos, conspirações, tevêligada, ninguém assistindo, gente falando, ninguém escutando, cantos da casa bem por apanharem um bando de gente.

Desespero de quando todos se vão.
Quando tudo retorna ao silêncio, ao estático e sombrio e vem a vontade de fazer bastante café. Vai que voltam.
Talvez o melhor seja, mesmo, lavar a louça, empilhar os copos que vêm em conjunto de doze, guardar os colchões, descer do sótão, olhar no relógio que pisca vermelho, carente e triste no ultrapassado aparelho de vídeo cassete.

É que chegou, imperativa, a hora de se esconder do silêncio, que antes de rompido era até tão bonito.

sábado, 20 de agosto de 2011

Chuva de granizo



Ao fundo um professor explica processos sinápticos, mas não presto atenção porque estou focada demais em manter as vísceras em seus lugares corretos. Na falta de ar-condicionado a porta da sala ficou aberta para que os alunos não derretam no calor da pequena Palotina. Não é minha culpa se me perco em devaneios olhando para fora quando deveria enxergar estritamente o quadro cheio de desenhos neuronais. Ou é. Tanto faz. O fato é que agora um alarme cerebral berra violentamente em meus sentidos só porque você passou no corredor ali fora. Não posso abrir a boca, porque sairá um barulho misturando sirene de viatura policial e gritos de “segurem aquele coração!”, enquanto o dito cujo rola para longe em sua pulsação tremendamente exagerada. Já sinto a acidez do estômago chegando à garganta, querendo ir embora também.
Todo esse caos só porque você passou. Não durou mais que três segundos. Suficiente. Três segundos são mais do que o necessário para que eu enxergue o mundo em você. Tão seguro, tão firme em seus passos, atitudes e feições. Firme 
nos músculos... ah, esses músculos. Como diabos devo prestar atenção nas tais células de Schwann quando tem um filme sobre você – e seus músculos – passando em slow motion bem na frente dos meus olhos? Está em cartaz: “Ele é o cara”, estrelando o homem dos músculos mais proporcionalmente bem desenhados. É seu último lançamento, acrescentado recentemente à filmografia em expansão. Conta a história de um cara que poderia ter o universo aos seus pés, mas preferiu ser o universo de uma só mulher. O romance de um cara que não sabia o quanto era amado, mas que sabia que, independente de quanto sentimento estivesse envolvido, mais cedo ou mais tarde teria um fim inevitável. Uma história sobre o cara dos músculos incríveis, da barba incrível, da personalidade incrível, que faria suas malas em uma data qualquer coisa menos incrível.
Bainha de mielina, blá blá blá. Você passou ali e eu fiquei babando aqui, um nível acima das cabeças pensantes que estudam os problemas da desmielinização. Estúpida, foi só uma olhadinha, coisa de uma piscadela, e deixo de ser a mulher de sempre para virar uma adolescente sonhadora, do tipo que me faz querer vomitar a bolacha de aveia do café-da-manhã. Você caminha todo lindo, o peito onde eu adoro dormir tão estufado quanto um balão de gás hélio. E eu quase deitada por cima da carteira, derrubada na postura corcunda de quem não agüenta o próprio peso. Com cara despreocupada, beliscando o lábio inferior com o polegar e o dedo médio, mania inconveniente.
Um fluxo de imagens compete por um lugar no meu cérebro. Levanto vagarosamente, ignorando os olhares curiosos, e vou de encontro a você, que me espera ancorado no batente da porta. Seguro sua nuca com delicadeza e você agarra meus cabelos, puxando-me com vontade para um beijo cuja música de fundo é o professor discorrendo, agora, sobre líquido cefalorraquidiano. O primeiro dos delírios. Fico puta quando alguém me arranca, com um cutucão, de meu pequeno sonho de olhos abertos, perguntando-me por quê o sorriso na cara por uma matéria tão chata. E de repente não estou mais puta e nem há professor cuspindo sem vontade algo sobre meninges do encéfalo. A música agora é um rock’n’roll do AC/DC e o som de nossas risadas enquanto corremos e sujamos as barras de nossas calças com o marrom da terra que cobre as ruas de Palotina. Não temos destino certo, nem objetivo, mas fluímos como duas nuvens passageiras, prontas para envolver o mundo em tempestades bonitas, porém perigosas. E isso é o segundo delírio.
Todas as mil fábulas que se formam em minha mente são melhores do que a original. Porque, na original, nada disso acontece. Nem beijo, nem sorriso, nem correria com “you shook me all night long”. Na original eu deveria estar prestando atenção na aula da faculdade, mas estava olhando para fora. E então você passou pela porta, em direção ao banheiro do bloco novo. Eu te vi e só, mais nada. O coração acelerou, tudo virou silêncio e névoa como parte da ansiedade e do suor frio que sua presença traz. Mas embora ninguém tenha percebido, um sorriso realmente tomou conta de meus lábios. Porque, originalmente, ainda que nossas tempestades atinjam tão somente duas vidas, elas não deixam de ser os espetáculos mais magníficos da natureza. Flórida, você perdeu. Fique com seus raios e trovões, porque nós temos uma bela de uma chuva de granizos para viver bem aqui.

sábado, 6 de agosto de 2011

Hortelã, Chanel e uma bola de sorvete sabor amor


Essa coisa é preta como azeviche e fria como o mármore de um balcão. Não cabe em mim direito, mas eu tento arranjar espaços extraoficiais porque cansei de ser incompleta e você encaixa tanto em meu molde que até nossos dedos e vontades têm o mesmo número. Eu quero uma mão para segurar a minha na hora de cruzar avenidas movimentadas e me pedir para ter cuidado; você quer segurar minha mão e cuidar de mim. E tudo deveria ficar bem assim, mas nasci com a parte louca falando sempre mais alto. E, então, essa coisa - que, pelo que sei, deveria ser doce como sorvete de trufas - é preta e sabe ser amarga como um remédio ruim quando quer. As vezes a coisa tem seu rosto e suas maneiras, as vezes não passa de um quadrado escuro cercado por grades em todos os lados. E eu corro com o pedaço louco fora da jaula, querendo escapar das suas garras macias porque, caso você crave suas unhas e destile seu amor direto em minha pele, não vou mais conseguir fugir. Você tapa o vazio que tanto me assusta do outro lado da cama, mas ele continua espreitando, com suas pupilas vermelhas, pela fresta do guardarroupa e eu me sinto como um vidro embaciado e fosco tentando inutilmente proteger minha vida do conhecimento público. E até consigo, mas você espia e fuça e acaba descobrindo coisas que nem eu sabia sobre fragilidades e forças.

Nós andamos pelas ruas de qualquer cidade fria desequilibrando passos sobre o meio-fio ou atravessando a rua fora da faixa de pedestres. Achamos graça nas botas verdes de uma senhora e no chão do segundo andar tremendo enquanto bebericamos o copo de chopp mais caro de nossas vidas. Lá embaixo, na praça de alimentação, a vida corre mais do que anda, o ritmo alucinado da pressa até mesmo em um domingo preguiçoso. Eu sufoco com a golfada do mundaréu de gente e quase tenho uma crise de pânico imaginando alguém lá no meio me encarando como um alvo e querendo me espancar. Olho para você buscando alguma paz e encontro mais do que isso. Calmaria, sossego e a vontade de amar sem a rapidez que sentem as pessoas enfrentando uma fila para comprar comida encaixotada. Você é como eu imaginei que o amor seria antes de vivê-lo como um verdadeiro desastre nas primeiras vezes. É o amor suave de caminhar de mãos dadas pelo shopping olhando peep toes em vitrines e rindo de tudo no meio da multidão. De parar em frente a uma agência de turismo para analisar preços de viagens de navios. É planejar abrir uma conta conjunta só para guardar dinheiro para isso e pensar em depositar junto na leva um pouco mais de nós. É o amor que eu não conhecia antes de ganhar um botão de rosa, um carrinho de coleção, uma lareira acesa, um origami de coração e lições de pôquer em uma página arrancada de caderno.

O problema é que o que é bom sempre traz apetrechos para se travestir de ruim. Botões semi-abertos, zíper emperrado, malha amarrotada. Está tudo ali, onde deveria estar, mas com algum defeito cutucando a segurança fraca. Nada fica ordeiramente em seu lugar, sentado no colo como uma criança comportada em seu vestido de chita e sapatinhos de velcro. Eu vejo em você a doçura de cubinhos de caramelo mas, por baixo, no fundo da garganta, fico doendo as formigas que arranham minha solidão. O doce vira um amargo embolotado quando eu raciocino nós dois e vejo o quanto já sou mais seu do que meu. O doce só continua doce quando quem manda é o coração. Quando eu me percebo dormindo em seus braços em uma cama para solteiros e mais confortável do que se estivesse em um colchão king size. Essa coisa pode ser preta como azeviche, sim, mas tem aroma e sabor de hortelã fresquinho e gelado, refrescando tudo com um só raminho entre um beijo e um abraço. Essa coisa, agora percebo, é o amor com seus tremendos truques e falcatruas. O mafioso sedutor. Deveria ser espalhafatosamente colorido, mas é apenas preto. Não ruim, nem clichê. Apenas clássico e elegante como Chanel. Lindo como Chanel. Machuca, as vezes, quando a consciência grita, mas uma folha de hortelã acalma e um beijo caramelo açucara tudo novamente. Essa coisa, antes tão estranha, chegou causando um vício absurdo e eu, que tanto tentei escapar, hoje me vejo pedindo todos os dias mais uma bola do seu sorvete sabor amor. Ele não derrete e deixa o potinho de sobremesa cada vez mais cheio. Até que, um dia, o estoque acabe e só reste pistache, crocante e outros sabores comuns.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

A idade de ser FELIZ


Existe somente uma idade para a gente ser feliz,
somente uma época na vida de cada pessoa
em que é possível sonhar e fazer planos
e ter energia bastante para realizá-las
a despeito de todas as dificuldades e obstáculos.

Uma só idade para a gente se encantar com a vida e viver apaixonadamente
e desfrutar tudo com toda intensidade
sem medo, nem culpa de sentir prazer.

Fase dourada em que a gente pode criar
e recriar a vida,
a nossa própria imagem e semelhança
e vestir-se com todas as cores
e experimentar todos os sabores
e entregar-se a todos os amores
sem preconceito nem pudor.

Tempo de entusiasmo e coragem
em que todo o desafio é mais um convite à luta
que a gente enfrenta com toda disposição
de tentar algo NOVO, de NOVO e de NOVO,
e quantas vezes for preciso.

Essa idade tão fugaz na vida da gente
chama-se PRESENTE
e tem a duração do instante que passa.



sexta-feira, 22 de julho de 2011

Coisa de momento





Confesso que a música romântica me fez tirar a roupa mais facilmente, mesmo eu não sendo de pensar muito antes de fazer isso. As coisas que ficam fora do lugar dentro de mim, sou eu mesmo quem bagunço. Você, eu deixo bagunçar somente os cabelos e minhas quinquilharias no bidê, pra deixar registrada uma marca, uma música, um beijo e umas recomendações.
Era o trato. Não sou de meio-amores que machucam por inteiro, acho essa coisa de paixão uma monstruosidade. Esse afeto sem razão que cultivamos por alguém quase desconhecido é uma espécie de suicídio passional que dá anos de cadeia. Não gostaria de ser como aquela gente que arrasta corrente por tempo. E não sou morto por dentro, acontece que meu colorido só dura 24 horas, tal uma borboleta. Sou isso, uma espécie de heroína lepidóptera nascida pra inibir crimes passionais. Mas só à noite, o resto do tempo sou uma lagarta gosmenta.
As pessoas que se apaixonam tendem a olhar-se mais no espelho, sem enxergar sua patética e debilitante condição. Quando a coisa acontece mútua, vá lá, diversão garantida por um tempo biologicamente determinado. Os rejeitados são os brabo (kkk). Subvertem-se psicóticos, caninos, manipuladores, chantagistas, insanos, mendigos, agonizantes, verdadeiros cães de rua que aceitam um dono qualquer, suspeitos de crimes cheios de rastros.
 Se alguém já chegou lá, por gentileza, me diga se vale a pena tanto andar. Do contrário, continuarei julgando essa coisa de amor uma longa estrada de chão calorenta até uma paradisíaca praia, que leva tanto tanto tanto tempo até você alcançá-la. E quando você chega sedento por um mergulho, fez-se a noite, o mar fica revolto e gelado e suscetível e perigoso e descontrolado. Não me espanta a vida como é ela é, me incomoda a vida como ela deixa de ser, às vezes. Simples, prática, funcional, indolor. Mas são apenas convicções.
Agora essa melancolia, essa saudade, essa tristeza, essa nostalgia, não sei o nome, seja lá o que você quiser. O jeito engraçado de andar com aquelas roupas, mesmo eu não concordando com aquela sua camiseta verde, seus dedos encardidos de cigarro, sua risada às vezes meio crueis, as coisas que você diz por empolgação, completamente nu. Mesmo eu não concordando com nada de bom das coisas que já consigo enxergar em você. Você não sabe, mas meu superpoder é inventar pessoas na minha cabeça.
 Acha mesmo que vou sair na rua só pra comprar o jornal do dia e consultar sua intenção de me ligar no horóscopo? O interessado não dá desculpas, dá um jeito. Quando essa hora chegar, o dia já se foi, meu signo já aconselhou a agulha do meu disco trocar de música: dorme e acorda amanhã, num novo dia. Faz de conta que é otimista ou que esse amor não significava nada. Se a maioria acha triste a sensação de estar esquecendo uma feição, pra mim é um alívio discordar.
 Como não sei se verei seu rosto de novo, aquele papelzinho seu rabiscado no meu bidê, recomendando uma música pra ouvir, joguei no lixo antes de memorizar. Não me dou o direito de mergulhar assim tão fundo num admirável mundo que não me pertence. Mas se acaso você me procurar, não sei, pode ser, quem sabe passa hoje aqui pra devolver as coisas que são minhas - meus momentos bons.




domingo, 17 de julho de 2011

Meu querido Diário




Hoje, mais um dia perdido num mês qualquer, eu acordei com o ouvido sustenido e o rosto maldisposto pra escrever qualquer texto entupido de alegria supervalorizada com metonímias pras pessoas entenderem um cheiro, uma dor, uma mulher triste. Eu tô tão cansado dessa estrada com a lei que eu mesmo construí pra mostrar que o cotidiano tem algum sentido. Eu tô tão cansado de defender o amor que as pessoas não vivem só pra ter assunto.



Confesso - sem vergonha nenhuma da vaidade que me cabe tão bem - que a vista aqui do alto é vislumbrante. O ruim é que insisto tanto em olhar pra baixo. Minha vertigem - eufemismo pra enjôo - desse gosto denso e amargo de vitória manca tem me rendido boas e messiânicas olheiras. Quanta sabedoria vejo nesses olhos, me falta dizerem. Me peça um conselho e eu vomitarei no seu coração.




Cansei de respirar boca a boca em tantos personagens na ambição vã de dar vida e nobreza aos sentimentos que as pessoas insistem em enforcar, abortar ou chutar todos os dias. Cansei de sorrir amarelo e fingir que o mundo me importa e sufocar no osso a vontade de mandar às favas as pessoas e seus erros e suas carências e suas manipulações e suas opiniões e suas mentiras e suas idiossincrasias. Pra ser sincero e gentil.




Eu não sei como fazê-lo voltar, minha morena não tem sorte porra nenhuma, não sei por que os homens traem, como conquistar uma mulher. Eu só sei viver do jeito que dá, sem purpurina ou close de final de filme. Se você soubesse que eu brocho. Se você soubesse que cada texto é uma crítica em falsete pra cada erro meu. Se você soubesse que eu tenho uma cueca vermelha. Se você soubesse que eu acordo todo dia doendo pra trocar o refil do pulmão. Se você soubesse o quanto eu sou egoísta. Se você soubesse do pouco que me importo comigo mesmo. Se você soubesse que sou um cavalo que deixou o príncipe cair no caminho.




Eu tô tão cansado e tão sem assunto que, por um triz, não uso uma frase do Vinícius de Moraes entre linhas pra levantar geral. Eu tô tão cansado das pessoas acharem que um texto e um charuto na boca é uma grande revelação, uma prestação de contas, algo que eu não soube dizer, a epifania que vai afogar suas mágoas que já aprenderam a nadar de peito. Eu tô cansado de agradar todo mundo em troca de uma coisa que eu não sei o que é, mas não paga meu desodorante de catálogo.




Sabe, meu computador parece feito de kriptonita, minha capa vermelha anda meio murcha e me sinto incapaz de sobrevoar o céu cor-de-rosa em busca de mocinhas pra salvar. Mas faça-me um favor. Continue acreditando nas pessoas, no amor, em "caras como eu", no Vinícius de Moraes e volte aqui amanhã se não for pedir muito. Prometo fazer o mesmo.

terça-feira, 12 de julho de 2011

About me

To all those who read my blog that are part of America and Australia, I am a Brazilian boy who likes literature, largely Brazilian literature.If you want I can translate the texts for the English. Leave your comments here, that I will read them .The text of this blog talk about feelings and daily life.




Welcome and good reading!!

Das coisas que eu preciso



Eu só preciso de um abraço. Você não sabe como é ter um fichário inteiro de coisas faltando e só querer um abraço. Você não tem ideia da sensação de falta que faz não ter seus braços envolvendo meu corpo. Do sentimento de perda de abraçar o ar tentando agarrar qualquer partícula de amor. Você não conhece a tristeza de não te ter em uma noite tão fria que casacos não esquentam. Você não sabe, mas é tudo que eu sei. Essa saudade que mais parece uma música desafinada que ainda guarda um pouquinho de beleza. Essa horas nuas e incompletas, girando na roda gigante da vida sem parar para pedir novos bilhetes de entrada. Sem que eu possa descer. O tempo todo girando e girando e rodando até a cabeça urrar e cair em sono profundo, para depois acordar e continuar girando sem chegar a lugar algum.


Eu só preciso de um abraço. É como a lista de presentes de aniversário. Sempre há o item número um. Todo o resto pode ser ignorado, mas o número um a gente precisa ganhar ou tudo fica sem sentido. Meu número um é um abraço seu, mas não aguento esperar até que um sopro apague as velas do bolo e me traga você. Eu preciso agora e, se não for agora, não poderá mais ser. Porque também preciso me curar dessa necessidade que vem como passos silenciosos de visita indesejada. Batida ecoando na porta de madeira e semblante aparecendo no olho mágico. As feições tristes da saudade extrema. Preciso reabilitar meus dedos e deixar que eles aprendam a viver sem sentir a temperatura das suas costas por baixo da camiseta. Pular da velhice de já te conhecer tão bem e das suas impressões digitais para a infância do zero. Aprender tudo de novo, de outra maneira que ainda não conheço e que não pode ser medida com réguas e compassos.


Eu só preciso de um abraço. Sem fraquejos, sem insegurança, sem pudor. Tremendo um pouco, avançar um passo e me jogar em seus braços. Esconder o rosto em seu ombro para disfarçar a timidez. E ficar ali para sempre, mesmo que o nosso para sempre dure tão pouco. Não quero o abraço das pessoas que se encontram em frente ao banco ou depois de tomar um café na praça. Não serve o abraço dos camaradas, com direito a três tapinhas nas costas. Muito menos o abraço da mulher que aproveita para ver as pontas duplas da outra. Eu quero o abraço do meu peito com o seu peito, da sua nuca colada na minha boca, de ficar na ponta dos pés para te alcançar Da sua correntinha gelada batendo no meu pescoço. Preciso de um abraço mas, por ironia da vida, tem que ser o único que sei que não posso ganhar.


Eu preciso de um abraço porque você não me avisou que aquela era a última vez dos seus olhos nos meus e agora o que restou é só o ronco da fome que a saudade dá. O silêncio guilhotina o amor e eu já estou vestindo o capuz fechado e claustrofóbico do medo e da ausência. Dá para sentir o carrasco chegando, o fedor das axilas e da vontade de acabar com tudo que ainda sinto e que me move. Preciso de um abraço para evitar essa matança de mim mesma, essa chacina que acaba sempre com portas fechadas para amargar a dor. Para salvar minha capacidade de erguer a cabeça e continuar tentando, ainda que sem arriscar. Preciso querer mais do que isso e não consigo. Não dá. Não quero me perder de você, mas também não sinto mais que posso te encontrar. Já nem escrever consigo porque todos os textos só começam e nunca terminam. Eu não sei pôr fim na nossa história, nem na vontade de correr até alcançar seu colo e, agora, nem mesmo nos textos que falam sobre você. Preciso conhecer um fim. Qualquer um. Já não peço mais um final feliz. Apenas um final e um abraço.


Não vou manipular verdades só porque a vida real não basta. Não dá para viver imaginando que estou te abraçando, mas também não dá para tentar outras companhias quando só a sua serviria. Não vou me afogar na felicidade de outras pessoas. Eu quero a minha, ainda que ela leve anos para chegar. Eu prefiro que seja assim, que seja de qualquer maneira, que seja. Simplesmente, seja. A vida fica me dizendo para ficar e nunca me deixa ir, mas você já me deixou há tempo demais para que eu não perceba a diferença. Porque é assim que o amor funciona. Você ama um pouquinho e as pessoas não enxergam. Você ama demais, elas cortam o mal pela raiz. Eu entendo que tenha sido mais fácil podar qualquer plantinha verde entre nós, mas eu sinto tanto carinho por você que não posso aceitar que tudo termine em galhos secos. Ainda que você não mate minha saudade, também não mate essa coisa bonita que traz sua imagem no meu peito e nas fotos do meu celular.




Eu só preciso de algumas coisas e de tudo que preciso, você é o primeiro lugar. Preciso não acordar querendo vomitar minha vida no vaso sanitário e apertar a descarga bem forte. Conseguir dormir um sono de mais de trinta horas para esquecer. Jogar fora as ofertas de falsas alegrias que vêm em baldes mas são insuficientes para fazer os olhos brilharem. Não quero saber da influência dos climas na zootecnia quando o único clima que me influencia é o seu. Eu preciso parar de te querer com tanto afinco, porque a gente sempre quer muito e parece que quanto mais quer, menos tem e menos pode. Eu preciso que o seu silêncio termine, porque ele é a coisa mais triste da minha vida. Preciso parar de correr para ver se o computador esqueceu de fazer barulho quando você me chamou, porque nunca é isso. O silêncio é só mesmo o silêncio. Preciso aprender que, por mais velho que seja meu notebook, ele ainda não adquiriu o mal de Alzheimer. Preciso que você diga uma palavra, qualquer uma. E que me abrace mais uma vez. É tudo que eu preciso.

sábado, 9 de julho de 2011

Conquistar um garoto



"Ive Brussel", do Jorge Ben Jor. Não vai existir uma única vez que eu escute essa música e não pense nela. Ela, no caso, é a menina que me conquistou certa feita, do mesmo jeito que a Ive dominou o coração do sátiro pai do sambalanço. A moça em foco serve de parâmetro para todas que se encontram na agonia de inverter os papéis e despertar a paixão num garoto distraído.

Como disse, eu andava distraído, com a vontade ocupada por uma lá com peitos circundantemente divertidos e um shortinho de brim claro que contrastava com a coxa morena e roliça tanto quanto o ébano contrapõe o marfim nas teclas do piano. E isso entrete os hormônios e nos desvia de qualquer mulher bacana, não tem jeito. As glândulas não insubordináveis ao coração.

Eu a via como amigona, até a cumprimentava com "Hi-Fi". Na visão de seus olhos egípcios e venerantes eu era seu baldinho de praia, e sem mim vivia a vida feito pá furada. Mas topou o rali. Encasquetou que me queria e mulher quando quer um troço sai atrás com as ventas fumacentas. Lição 1: confiou no taco próprio; lição 2: fugiu do padrão; lição 3: comeu quieta. Já ouviu falar que quem come quieto, come duas vezes? Pois é. Lição 4: provou de A a Z que era única no meio do cardume de sereias decotadas da turma.

Ao longo de nossas jovens noites de sábado se aproximou, demonstrando sua atenção pelos meus diretores de cinema favoritos, as bandas extintas que eu jamais poria os olhos num palco, os arrebiques que eu admirava numa mulher. Movimentos sensuais? Poses fotogênicas? Placa de mais desejada da moçada? Nem perto. Feito uma raposa, identificou que eu precisava mesmo é de cuidado. "Não saia sem casaco", "não beba se dirigir", "deixa eu ajeitar essa gola". Eu dava aval e ficava meditabundo.

Ela já tinha os olhos roucos de tanto gritar a fim de ficar comigo. Numa noite de olhos brilhantes feito luz da lua, não se sabia quem emanava mais medo: ela ou eu. Ciente de que as tentações podem não voltar no outro dia depois das resistências, deixei "Ive Brussel" sambalançar na cabeça e vazar as veias, irrigando o coração. Avizinhei meu tom de voz na orelha enfeitada com uma flor branca e exagerada e versejei:

"Você com essa mania sensual de sentir e me olhar / Você com esse seu jeito contagiante, fiel e sutil de lutar / Não sei não, assim você acaba me conquistando / Não sei não, assim eu acabo me entregando"

Me fixou as pupilas que pareciam amuletos negros de amor enumerando os pontos em comum de nossas almas. Com o corpo inteiro voltado pra mim, embrenhou-me a mão nos cabelos posteriores e contou algo no ouvido com voz lascivamente infantil: "I wanna be yours tonight". E foi. E seguiu sendo minha tempos depois, quando eu ainda cantarolava:

"Pois está fazendo um ano e meio, amor / Que eu estive por aqui / Desconfiado, sem jeito e quase calado / Quando fui bem recebido e desejado por você / Nunca como eu poderia esquecer amor..."

Foi assim.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Eu poderia contar outras histórias, mais felizes e intensas, mas não valeriam a pena. Nós inflacionamos a felicidade. Ela está por aí, gasta, em propagandas de Campari, em outdoors de pastas de dente, em livros, filmes, melodias e novelas das seis. Nenhuma felicidade real chega aos pés dessa que criamos. A única felicidade possível, acredito, é a promessa de felicidade. Já não há mais espaço para happy ends. Só para happy beginnings. Esse é o meu. (...) Não tenho a menor ideia do que pode acontecer, mas agradeço à vida por ter me enviado esse "presente ambíguo: uma possibilidade de amor". Essa pequena epifania. Com corpo e face. Que reponho devagar, traço a traço, quando estou só e tenho medo. Sorrio, então. E quase paro de sentir fome

Distopia

Foi olhando para você que eu descobri. As más línguas, esperançosas que são, dizem - embora com outras palavras - que a felicidade tarda mas não falha. O ditado fala sobre justiça, mas tanto faz; ambas não passam de sonhos distantes. Sempre compartilhei da concordância muda dos que acreditam que nem todos nasceram com a bunda virada ao destino felicidade. O tempo, que tanto insiste em querer ser o sábio burro que conduz nossas vidas, me fez chegar à conclusão de que ela é um mito e nada mais. Por muitos anos aceitei brisas mirradas de carinho, retratos maltrapilhos nas estantes do meu peito e uso cru de minha companhia. Meu amor, então, sempre inadequado. Zombaram dos meus trejeitos, manias e loucuras. Meu riso era engraçado e vergonhoso. Meu choro constrangedor. O medo era manha infantil e o silêncio uma cena. O mistério era exagerado e as piadinhas trouxas também. Calei as palavras até quase desaprender a me expressar. Tudo culpa do tempo, esse maldito que diz curar tudo, mas que nunca cursou uma faculdade de medicina. O tempo que realmente arrancou - lentamente, com uma pinça de sobrancelhas - algumas de minhas dores, mas que deixou suturas mal feitas e levou embora minha capacidade de comunicação sincera. Deixou a vontade de criar laços longe de minhas mãos e inalcançável para o coração. Foi mais fácil assim até que eu olhasse para você e descobrisse nuances cruciais de mim.

Sou bobo, sim. Digo não querendo dizer qualquer outra coisa, mas quando digo sim, é sempre querendo dizer não. Falo besteiras só para anular a relevância do que realmente penso. Trago cada sentimento como um viciado traga seu último cigarro do dia, para em alguns anos tossir os pulmões contaminados e ver a vida escoando pelos dedos. Não amo como deveria, mas juro que sei conjugar verbos, caso isso sirva. Não me entrego de verdade, mas ainda posso sorrir e fazer de conta que os pingos estão todos em seus respectivos is. Converso comigo e insisto que o trema não importa mais, mas todos os que sumiram dos meus dias deixaram buracos monstruosos demais para tapar com madeira e folhas secas, embora hoje eu não passe mesmo de uma armadilha; uma escavação funda de superfície coberta para enganar aos que se permitem. Os diacríticos fazem falta, sim, assim como as pessoas. Foi olhando para você que eu descobri que quando estou bem fica só uma coisa seca, drenada e sem nome. Se isso for a tal felicidade, falta a leveza que tanto se vangloria em cartazes subliminares mundo afora. Essa coisa empalhada pesa mais que a umidade do choro e da saudade rejeitada porque vem com os quilos do medo estourando o ponteiro da balança. Medo de recomeçar tem lá seus duzentos quilos. Medo de perder as estribeiras de vez, uns quarenta. Chuto noventa no pavor de enlouquecer antes de chegar lá. E o que mais pesa é o receio de conhecer felicidade e depois perdê-la tão rápido quanto o toque de um tambor.

Mas felicidade é utopia e eu não tenho o otimismo necessário para criar universos ideais. Meu mundo nada mais é do que uma grande e imaculada distopia. Viver de utopismo seria acreditar que falar com um analista resolve todo e qualquer problema. Algumas enfermidades não tem cura e a dependência de solidão é uma delas. Utopia seria perseverar na ideia de que um aninhar de ombros envolva e aceite também defeitos intoleráveis. Cogitar que carinho excessivo não danifica, não sufoca as flores recém colhidas, não cristaliza para depois quebrar como um lago degelando. Aliás, utopia seria achar que as melhores coisas não se quebram em novecentos pedaços que não podem ser colados ou reconstruídos. Tudo quebra. Tudo parte. Tudo trinca. Até o que parece ser constituído de puro metal. Não são permitidos erros quando a apreensão é farta - qualquer cisco no olho vira déficit de visão. Todo grito mudo perfura os tímpanos e eu torço para que não possa ouvir mais nada depois que o tinido cessar. Todo estímulo faz a medula se contorcer e querer desligar os nervos antes que respostas sejam enviadas. Todo singelo estalar de dedos no momento errado leva à destruição em massa dos afetos mais febris. E, sinceramente, utopia seria agir como se a felicidade estivesse prestes a chegar, quando a bagagem foi extraviada e eu fiquei de mãos vazias.

Não, nada dessa fantasia alucinógena e irreal convence. Nada disso pode ser. A escada é muito longa para achar que há mesmo algo esperando nos patamares mais altos. Não há nada lá em cima além do que já se conhece aqui. Não há nada vindo de carona no brilho dos seus olhos ou no pulsar perceptível da sua corrente sanguínea. Não caminha por ali amor, admiração ou crença no futuro, embora você jure que sim, sim, sim e eu insista que não, não, não. O dia é ótimo enquanto ainda estou dormindo. Eu peço para a vida só uma trégua. Uma semana de descanso desse descontentamento e do compasso sem ritmo do meu querer. Mas não há pausa onde não há paciência. A distopia é mais segura, embora segurança com louvor não exista. Foi assim que aprendi a conduzir minhas horas e passos, sem devaneios doces.

Foi olhando para você que me dei conta de que devo ser deixado antes que seja tarde. Antes que minha própria crença passe a ser boa e próspera, antes que o futuro destoe do passado e antes que o amor comece a proclamar seus versos em meu peito. Não quero a poesia do seu sorriso, porque a tragédia grega que vem depois é insuportável. Você deve ir antes que eu abandone erroneamente a distopia tão bem incrustrada em meus atos e verdades que jamais se contradizem. Ela que não me permite sonhar com inexistências que tentam provar que podem acontecer, nem deixa que eu machuque os dedos procurando cutucar com vara curta o que não deve ser posto à prova. Ela que tranca os portões e não abre nem sob juras de tortura. Ela que me mantém. Você deve ir antes que eu acredite nesse brilho secundário que vejo em seus olhos, esse que parece tentar dizer algo mais. Há uma luz colorida ali no fundo que se autodenomina Utopia, muito prazer, e que quer chutar a Distopia, coitadinha, para os confins da Cochinchina. Mas não existe paraíso, ainda que seu abraço cerceie meu vazio. Então não me mostre o que vem cheio de vontade de sorrir mostrando os dentes se for para dar um tabefe em minha boca. Não me faça entrar nesse ciclo vicioso de querer e amar e sonhar se a realidade for feita de mentiras. Não queira me levar para a utopia se não tiver pretensão de me manter por lá.