segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Vamos rir


Ai, dor doída, vamos rir. Vamos rir dessas mazelas infindas, sem trégua, sem paz. Cínica ou tristemente, vamos rir. Riso solto, de quem está sendo feito de bobo pela vida, e consente. Como uma forma piedosa de fazer bem a quem jura estar fazendo mal. A ela que por vezes deseja nos fazer de palhaços e coloca em nós o mais vermelho nariz, que acaba por roubar nossos próprios risos diante do espelho. Aquele riso desconsolado, lamurioso. Mas persistente. Entre o riso e as lágrimas, escolho os dois. Simultaneamente.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Cena Final

Pela primeira vez subiu a escada com passos alados - uma dança bem leve. Leve como se sente pela primeira vez por estar perto de si. Por completar-se, e ter finalmente percebido isso. Finalmente. É... Certamente essa seria a cena final do filme. Um caminhar altaneiro, o coração sintonizado com o próprio. Então aquele sutil caminhar ritmado, mais do que com a música que ouve, com o coração que sente e vive. Gratidão pelo que a vida tem trazido de bom e ruim, mas tem trazido. Gratidão pelas dores que tem dado a real dimensão do valor das alegrias. Gratidão pela vida e saúde, sua e dos seus queridos. Gratidão pelo que não deu certo, e pelo que deu. Gratidão, gratidão. Gratidão. Sozinha. Sim, sozinha. Aprendendo como nunca, amando como sempre. Coração aberto, para as pessoas, o carinho, as verdades. Aprendendo/ensinando a simplicidade do amor puro, sincero. Verdadeiro. Quanto amor pela verdade. O sentimento de fim: valeu à pena. O sentimento de começo: sempre valerá.

“Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida.”

-James Joyce- (Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Leve

Despeço-me com o semblante tranquilo. Se voltar, tudo bem. Se não voltar, tudo bem. Aceito a transitoriedade de forma natural. Fui inteiro, não tenho pendências. Se voltar a gente não continua de onde parou, a gente começa de novo. Em minha vida aceitar os fins foi um alívio. Sem culpa a gente caminha mais leve. Com a consciência em paz a vida flui com mais sabor. A saudade fica, traz riso fora de contexto e torna o passado mais bonito. Mas às vezes as pessoas devem ficar no passado mesmo, porque o presente mudaria tudo. Tem aquele amigo que é especial porque ficou no lugar que deveria ficar. A vida passa, as pessoas também. É simples – pode doer um pouco - mas eu aceito. Às vezes a saudade dói mais, às vezes menos. Mas ela se ajeita. Existem pessoas que, ainda bem, são para sempre. Mas existem outras que, ainda bem, se vão. Não precisa ser uma tragédia. A vida segue. E é por isso que temos de ser tão atentos ao hoje. O equilíbrio entre a melancolia do passado e a ansiedade do futuro é um presente bem vivido. Se não é do jeito que a gente queria, mesmo assim a gente pode ter momentos de alegria. E são esses que precisamos viver com o sentimento de despedida, com a convicção de que - por menores que sejam - não voltarão. E se a gente sabe que não tem outra chance a gente costuma aproveitar melhor a que tem. O que vivemos está relacionado com o nosso olhar. E se nosso olhar muda, tudo muda: o lugar, as condições, os motivos, as pessoas. Aceitar o passado enquanto passado é um conforto. Ele não me persegue, não me atormenta, não me pede nada. Assim caminho sem sombras. São somente lembranças. E lembranças são pensamentos distantes - a gente se diverte ou se lamenta - nada mais que isso. Sou conformado ou astuto, não sei. Mas isso me faz leve. E leveza é, de longe, o maior desejo dos últimos tempos.  

domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre ensinar e aprender

Ela tentou ensiná-lo. Conversou, explicou detalhadamente. Mas ele pareceu não entender. Ela não acreditava que ele não pudesse entender. Ela chamou a atenção, argumentou, fez sinais, encenações, comparações. Tentou convencê-lo a se salvar. Ele não demonstrou preocupação. Ela não aceitava que ele não quisesse ser salvo. Ela gritou, se desesperou, esperneou, chorou, clamou. Ele ignorou. Ela propôs ajudar, ficar ao lado. Ele não aceitou. Ela insistiu, cansou, recuperou as forças, insistiu, insistiu, insistiu. Fez desenhos, mapas, pinturas. Queria que ele conseguisse enxergar o óbvio. Queria que ele aceitasse o óbvio. Queria que ele desejasse o óbvio - ser salvo. Queria que ele quisesse viver. Ele não quis. Ela tentou mais uma vez (era insistente, talvez teimosa). Então fez chantagem, apelou, jogou baixo - queria comovê-lo. Ele não deu atenção. Não importava o quanto ela quisesse, ele não queria. Ela sentiu muito, sofreu, se culpou, se perdoou, aprendeu. Demorou, mas ela aprendeu. Ela aceitou a vontade dele. Ela entendeu que aceitar não é desistir – é aceitar. Ele via desde o princípio, ele entendia, ele sabia. Mas ele não queria. Por fim, ela aprendeu: não se pode ensinar quem não quer aprender. Não se pode salvar quem não quer ser salvo.

sábado, 15 de setembro de 2012

Possível

Já era noite  quando você me ligou. Eu caminhava apressadamente para casa quando o telefone tocou. Assim que escutei sua voz sabia que alguma coisa diferente acontecia. E me preparei para nossas simplíssimas conversas filosóficas. Como podemos ser tão profundos e tão simples? A intensidade não nos pesa. Pelo menos, não entre nós. Você começa a conversa com a naturalidade da rotina:
- O meu celular está descarregando, então se a ligação cair depois a gente continua a conversa.
-Você não quer me ligar mais tarde?
- Quero, quero sim. Mas eu só queria saber uma coisa antes da ligação cair.
E eu agucei todos os meus sentidos para escutá-lo. Meus ouvidos se abriram para o seu coração aflito e eu estava disposto a, além de ouvir a pergunta, saber a resposta.

- Pode perguntar.

- O amor é possível? (…)


Eu ri um riso de compreensão. Na verdade a pergunta não era nem essa , quem liga num dia comum, no meio da rotina sem graça dos adultos e lança tal pergunta? Você não quis saber de emprego ou de fofocas. Você tinha pouco tempo e uma dúvida só: o amor é possível?

Senti certa culpa por não ter te respondido antes que perguntasse, eu precisava ter contato. Mas nunca é tarde e com a mesma naturalidade eu te dou a minha resposta:

- Sim, é possível.

E completo:

- É possível, mas eu não sei o caminho até ele.

Não sei o caminho, pois ele surgiu para mim como crianças desaparecem aos nossos olhos – sorrateiramente. Não consegui saber de onde veio. Expliquei logo para não lhe dar falsas expectativas. Mas isso não importava naquele momento. Saber que era possível bastava.

A questão não era se o amor existia, ele existe - você sabe, eu sei, nós sabemos. O que você queria saber era se outro tipo de amor existia. Se é possível amar a mesma pessoa com quem queremos dividir o corpo e a alma. Ou mais, se é possível ser amado por essa pessoa. É possível. O ser amado existe, em todos os sentidos. Suspiro de alívio. Confesso, tive tanto medo de isso ser invenção, sabe? Assim como você tem. E não, não existe ilusão nessa afirmação. É possível na realidade, no presente, na rotina, nos desencontros e nas diferenças. Se é eterno? Sobre futuro não sei dizer. Sobre eternidade eu não sei nada. Daqui a muitos anos terei essa resposta. Ou não.

Então você acredita aliviado em saber que não está esperando o impossível. Você acredita porque eu acredito. E eu espero o teu amor como se fosse para mim, com dúvidas e esperanças. Mas, sobretudo com o cuidado de estar atento para não deixá-lo passar e com a distração de estar leve para não deixá-lo pesar. Amar é coisa rara. Ser amado é mais raro ainda. Nossa busca não chegou ao fim, continuamos os mesmos.

Você desligou o telefone e seguimos nossas vidas. Você levou um pouco de esperança e me devolveu um pouco de busca. Estamos no mesmo caminho. É da estrada que precisamos.

domingo, 19 de agosto de 2012

Eu não explico



Para Vida

Gosto de datas. Há dias que pareciam ser insignificantes, mas depois ganharam cor e brilho. Vida! Hoje dentro de mim há festa pra comemorar o encontro, a presença, o afeto! Tem coisa que é só nossa. Certa sintonia entre as pessoas que só elas compreendem e só elas sabem o que de fato acontece. Sempre haverá pessoas que se diferem. Em afinidades, gostos, pensamentos... Ou em nada disso, mas mesmo assim são diferentemente especiais de alguma forma. Nesse caso, pra mim não foi alguém que eu conheci, mas alguém que eu encontrei. Porque a impressão que tenho é que já estava aqui, já estava presente, de alguma forma. Diria que em outra vida se acreditasse nisso. Diria que foi o destino se também acreditasse nisso. Então baseado no que acredito digo que não foi acaso e há um propósito em tudo isso. Uma admiração fidedigna, respeito verdadeiro, harmonia e carinho recíprocos. Gostaria de encontrar um nome que explicasse tudo isso, mas não consigo. Não é possível rotular o meu quer. E acho até que se tivesse um nome não o diria. É algo íntimo e cúmplice que ninguém entenderia, além de nós mesmos. Como se somente nós percebemos, e sabe - e sente - que o que existe é grande. Muito grande. (Ida e volta!),muito além de um sanduiche na rua, na chuva e além de  meus pensamentos em casa , nos meus livros. E pra não dizer que não falei das flores: “declaro seu, e somente seu, e por culpa sua, todo o carinho que conquistou”.

Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida.

- Carlos Drummond de Andrade -

Você Sabe?

Sabe assim quando uma pessoa diz que você mora no coração dela e você acredita?! Sabe assim quando alguém diz que gosta de você e você sente isso?! Sabe quando uma pessoa diz que você pode contar com ela e você sabe que é verdade?! Sabe quando alguém te ama de graça e você não consegue entender?! Sabe quando alguém diz que te quer bem e - a que distância for - você não tem dúvidas que seja verdade?! Sabe assim quando alguém faz a cada dia você ter certeza de que não precisava de mais nada, porque já teria valido a pena?! Você sabe?!Eu sei.

sábado, 11 de agosto de 2012

A vizinha

Ela entrou com a altivez do passado. Sentou elegantemente, cruzou as pernas finas. Usava um modelo que marcava a cintura, raridade para quem já passou dos sessenta. Conversou sobre negócios, fofocou graciosamente por alguns instantes e então começou a narrar o passado de glória. Estilista famosa, ela vestia a nata da sociedade da terra da luz. ‘Eram pessoas mais ou menos’, repetiu algumas vezes. O riso claro no canto da boca denunciava a falsa modéstia. ‘Era um tempo de muito luxo’, gabava-se. E além de desenhar, desfilava. Arrumou o corpo esguio na cadeira enquanto me contava isso, fez pose de modelo. Não duvidei. ‘Recebi convites, minha vida poderia ser diferente’; desabafou sorrateiramente. Repentinamente deixou escapar um desalento: ‘eu tive medo, muito medo. Mas não me arrependo’, emendou. Eu entendi. Não podia deixar-se julgar a essa altura da vida. Precisava acreditar que não tinha culpa pelo futuro que escolheu. No passado era bonita, importante e sabida demais para priorizar qualquer coisa além de sua brilhante carreira. Hoje a beleza se foi sem deixar resquícios. Ai, a frivolidade. O luxo passou, o sucesso acabou. Mas ainda tem lembranças e enaltece os gestos do passado. Solta vez ou outra um ‘infelizmente’, que disfarça com um sorriso rápido. ‘Quanta lembrança bonita a senhora tem’, falei sem inveja. Ela adorou. Invejou-se profundamente. Sorri levemente. Despediu-se, colocou as mãos na cintura e foi embora desfilando. Desceu a escada alinhadamente rumo a vida que escolheu naquele lugar estável, bonito e possível: o passado.

sábado, 28 de julho de 2012

O que seria um bom dia cheio de cores, sabores e texturas, soa como um gesto de educação, que é dispensável quando causa mais dor que encanto. Era correr para o abraço, se jogar nas emoções e não ter limites para a entrega. Sem o menor sinal disto, transforma-se num aperto de mãos, tão inútil quanto álgido. Era a alegria, que levava letras e risos em cada declaração. Restou o silêncio, que nem sabia existir. Era o indisfarçável. Vira o sem luz. Era o palpitar do coração, que se transforma na distância incalculável de alguns passos. Era o eterno que – não se sabia – pode ter um fim.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Começo

Salvador, 23 de Julho de 2012 entre 12:00 e 14:00

Estava inebriado. Cambaleavam todas as loucuras sonhadas. Estava em sonhos. Eram possíveis. Fazia de seu presente, lembrança. Fazia das lembranças, presentes. Seguia entre sonho e realidade. Brincava, obedecendo ao poeta. ‘Um dia serei feliz? Sim, mas não há de ser já: A Eternidade está longe, brinca de tempo-será.’ Brincava com a astúcia de quem conhece a dor, de quem sabe que tudo que a gente quer passa. Que esperar é quase sinônimo de superação. E que amor e liberdade são sinônimos, fora do dicionário. Que o único alívio é um carinho. Que existem tragédias, romances, drama, comédia, mas nada disso de forma independente. Que somos tantas faces, que somos tão possíveis. Que não há ninguém que nos impeça e nos permita mais do que nós mesmos. Que qualquer coisa só nos magoa uma vez de surpresa, o resto é escolha. Que qualquer silêncio é melhor que uma palavra doída. E que nenhuma palavra é melhor que um abraço bonito. Que quem fala de amor carrega mais esperança que certezas. E que utopia é acreditar que amor é ilusão e mesmo assim se pode ser feliz. Que as únicas coisas de que se necessita são indissociáveis do corpo. E nenhuma pessoa, nenhum lugar ou nenhuma situação pode ser escape para um coração em desespero. Sabia que todo dia a esperança se renovava, mas ver nos olhos, no clima e nas roupas de todos que a esperança transbordava neste dia exato, pintava a alma de branco e trazia a sensação de que agora sim, agora a gente podia começar outra vez.

Pequeno delírio em meu horário de almoço.


terça-feira, 17 de julho de 2012

A porta


Fulge escuridão. Um medo disfarçado bate à porta. Insiste, insiste. Ela não pode abrir. Não há compaixão que supere o medo. A melancolia acorda, invade com o morno sorriso do que - já passado - não a abandona. Pela janela vê a esperança, cabelos ao vento. Já vai distante. Esperança e passado não se acertam. Quando ele sair daqui, pois sim, ela volta. O sol alto... Cá a escuridão brilha.

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta.

(E agora, José? – Drummond)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Esperem

Qualquer dia desses, ao sair do sol em sua beleza insuperável, não estarei mais aqui. Preciso sair deste lugar onde me encontro. Por vezes sinto vacilar as pernas no real, tanto quanto no pesadelo desta noite. Já não suporto a ausência de sustos diante das perfídias desta vida. Preciso resgatar aquela indignação típica de corações imaculados. Ah, eu não sei jogar. Os joguinhos a que somos obrigados a jogar não me atraem, e quando me obrigo, eu perco sempre. E não é ruim perder sempre, mas não saber jogar nunca. Não sei se vou buscar aprender a jogar ou a não me obrigar a isso em hipótese alguma. Prometo que na primeira oportunidade que tiver mando um recado por um pombo, um sinal de fumaça, ou um telegrama. Sentirei falta de tudo que fizemos e, principalmente, do que não fizemos. Não sei para onde vou. Na verdade, não tenho destino, nem opções. Mas eu quero sair daqui. Se perguntasse ao gato, a resposta seria aquela certeira: Então, pouco importa o caminho que você tome. E ele tem razão, sabemos. Então sem saber o que quero, embora saiba que quero muito, vou buscar por saber o que não quero. Preciso ir para não perder-me. Para não perder-me de mim mesmo. Voltarei quando o riso estiver sem pecados e os pecados sem culpas. Contradição? A própria. Na volta vou bater palmas na porta e correr ao abraço que já está ensaiado. E quando eu for, esperem minha volta, em qualquer tarde branca, em qualquer dia escolhido para nós.

De novo



Quero novos ares, novos mares e novos lares. Outros abraços, novos braços. Outras vontades, novos cheiros, novas bondades, outros beijos. Quero novos olhares, outros sonhos. Novos andares, outros ganhos. Quero algum sorriso, algum abrigo, algum amigo. Alguma rima, qualquer verso, nova sina. Quero um tempo, outros sabores, outras texturas, quaisquer amores. Quero novos passos, nova música, outros luares, novas buscas. Quero tudo a mim denovo.



sábado, 7 de julho de 2012

Esperança

Eu tenho esperança. Tudo bem, todo mundo tem esperança. Mas é que a minha esperança, às vezes, é tão audaciosa que é quase ofensiva. A intenção não é essa. Minha esperança não é somente um sonho romântico, não recuso a realidade ou me iludo. Antes é o último suspiro, a única forma de sobrevivência. É a única coisa que me faz suportar as muitas aflições de todos os dias e ainda conseguir sorrir para o porteiro ao cumprimentá-lo. Quando sorrio para ele estou rindo para mim mesmo. Estou me desejando força no meio de todas as coisas ruins que nos cercam. Estou desejando que eu consiga manter a fé ou que alguém me mostre que a justiça é possível, apesar de tudo. Levo a esperança sonhando com o que não vejo, acreditando em quem – talvez - não mereça mais confiança. Não se trata da ingenuidade de quem não pode ver a realidade. Trata-se, na verdade, da generosidade de não se deixar abater. Preciso acreditar para continuar levantando, para continuar sorrindo. É minha forma de viver. Mais do que isso, é minha forma de continuar vivo.

sábado, 30 de junho de 2012

O abraço

Do alto de um silêncio perturbador, falar nada adiantaria. As palavras daqui só saem pelo toque, transmissão instantânea ao abraço, ao aperto, ao contato. Se não podes ter contato, não poderias entender. Não poderia entender o calor de um sonho enterrado vivo, que se debate e como último recurso para causar piedade, chora. Chora gritando, clamando, implorando, suplicando para não morrer. Há dor maior em vê-lo chorar do que vê-lo morrer. A um sonho assim deveria ser proibido matar. Crime, é um crime. Mas que se faz? Enterra-o e vela-o em silêncio, silêncio de anos, silêncio de uma vida. Uma noite dessas o deixei lá, e segui. E não posso esquecer aquele pedido, aquele clamor, aquela chance – a que ele não teve. Sei que não entendes o que essas palavras te dizem. Neste silêncio um abraço te contaria melhor. Este abraço, este mesmo, o que não podes me dar.

O anjo mais velho



Enquanto houver você do outro lado, aqui do outro eu consigo me orientar. A cena repete, a cena se inverte, enchendo a minh'alma d'aquilo que outrora eu deixei de acreditar. Tua palavra, tua história, tua verdade fazendo escola e a tua ausência fazendo silêncio em todo lugar. Metade de mim agora é assim. De um lado a poesia, o verbo, a saudade. Do outro a luta, a força e a coragem pra chegar no fim. E o fim é belo, incerto. Depende de como você vê o novo, o credo, a fé que você deposita em você e só. Só enquanto eu respirar, vou me lembrar de você. Só enquanto eu respirar.







O Teatro Mágico

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Amor em um paragráfo

E daí se a gente sofre? No final não é isso que importa, mas o fim. O fim não de término, o fim de final feliz daqueles que fazem qualquer criança acreditar em absolutamente qualquer coisa. E adultos também, às vezes. O fim de final de livro e de filme água com açúcar. Aquele que faz um adulto descrente do amor acreditar em tudo que ele ainda nem viveu só porque parece bom demais pelo pouquinho que já passou. O amor não é fácil; é delicioso, mas não é fácil. A gente sofre mesmo quando ama. Alguma coisinha sempre vai estar fora do lugar; um mau humor, uma briga, uma semana puxada, gente botando agouro, até mesmo pessoas que não sabem se somos bons, ruins ou mais ou menos. Gente querendo mandar não amar. Então a gente sofre e às vezes erra feio, faz cagada mesmo. E bate na testa pensando um “puta que pariu” bem grande. Mas continua sendo amor. E amor, quando é amor, não descuida e não repele, não diz que chega porque na verdade nunca chega, não cansa dos erros porque os acertos são muito maiores e mais bonitos, por menores que sejam. É contraditório, como tudo no amor tende a ser. Um dia inteiro na cama, em silêncio, sem graça, pode ser a coisa mais linda de uma vida inteira se for amor. E se você adicionar um olhar e um sussurro dizendo “eu te amo”, derruba qualquer parede. E aí, ainda se for amor, isso vai pesar mais na balança do que qualquer uma das coisas ruins. A gente sabe que coisas ruins acontecem aos trancos e barrancos, com velocidade e intensidade. Às vezes quebra um pouquinho da confiança, enfeia um pouquinho da beleza, suja um pouquinho o brilho, maltrata um pouquinho o coração. Às vezes não é só um pouquinho, mas muito que se quebra por causa das coisinhas ruins. De uma só delas ou de um conjunto. E aí parece o fim, aquele de término mesmo. Parece que não tem mais jeito, que acabou, que não tem volta, que aquele horóscopo no qual você nunca acreditou estava certo o tempo todo sobre a tal inquietação emocional, que todo mundo também estava certo quando dizia “tô avisando que você merece alguém melhor”, que pelo-amor-de-qualquer-coisa-que-você-acredite suma da minha frente, que não quer mais, não gosta mais, não suporta mais e tudo mais. Tudo de ruim. Às vezes você cansa pra caramba e tudo que quer é dizer foda-se, cansei, não dá mais, vá embora da minha vida, suma da minha frente. E às vezes acaba aí no foda-se mesmo. Fim. Se não for amor. Se for amor a história é outra. É carregada com um bom tanto de sofrimento para depois voltar a ser aquele fantástico mundo mágico onde um botão de rosa vale mais do que qualquer presente e onde beijo não é beijo, é entrega. Abraço não é abraço, é cuidado, proteção e carinho. Sorrir não é sorrir, é iluminar e deixar feliz justamente quem te fez sorrir. Dizer “eu te amo” não é dizer “eu te amo”, é dizer “eu te amo, você é o amor da minha vida e eu te quero pra sempre do meu lado... mesmo que às vezes eu seja estúpido ou que o mundo inteiro esteja contra nós”. Se for amor a luta vale a pena e as batalhas perdidas são ignoradas. A vida pode até parar por algum tempo pra recuperar o motor. E enquanto isso você acha de novo todas as mil coisas ruins porque está sozinho e sozinho fica tudo mais confuso. Você deixou seu amor, largou de vez, já faz um tempo. Mas, se era amor, fica mais confuso ainda. E dói. Dói lá dentro, mesmo que você fique em frente ao espelho dizendo que odeia a pessoa. Porque você não odeia, só quer odiar. E querendo odiar você consegue dizer coisas cruéis, mesmo amando. Porque você tem quase certeza que não ama mais e que a pessoa não merece mais mesmo. Você tem certeza porque está esgotado, a vida não facilita e você cansou de ir contra a maré. Mas, poxa, era amor. E não dos pequenos. Era amor dos grandes, de roteiro de filme. Talvez até seja daí que venham as dificuldades. E você sabe que não foi mentira. Que não foi falso. Amor é difícil de fingir e você não é ator. E então você sente saudade. Sente saudade do olhar, do cheiro, do toque, da voz, do jeito único que só seu amor tem e como só ele sabe realmente fazer você feliz com poucos recursos. Você sente um vazio enorme no corpo porque falta alguma coisa. Alguém. O dia fica estranho porque faltam os costumes tão rotineiros. Quando é amor as cabeças se fundem e pensam juntas, mesmo que briguem um pouco por opiniões diferentes. Ou briguem muito. Tanto faz. Se for amor. Amor pode ser abalado como qualquer outro sentimento, mas é mais forte e consegue reparar os danos. Sempre se restaura. Pode parecer que não – e, se você quiser, consegue deixar parecer que não para sempre, como se tudo fosse irrecuperável e não valesse mais nada – mas consegue. Consegue porque amor não dá pra abandonar definitivamente. Não tem como enjoar porque você sempre quer um pouquinho mais do gostinho do amor. Você quer puxar e não empurrar. Você quer ser feliz, fazer feliz e continuar feliz. Então você pode cansar e enlouquecer um pouco e ter um bom tanto de certeza errônea e não querer mais por um tempo. E as coisas podem ficar bem durante esse tempo. A vida de solteiro é bacana; dá pra festar, olhar pra outras bundas, jogar a aliança fora e fazer exatamente o que você quiser com todas as horas do dia. Dá até pra conversar com aquela outra guria. Às vezes esse tempo pode ser longo. Mas, se for amor, vai chegar a hora em que você vai acordar de madrugada, ou nem vai conseguir dormir, pensando no seu amor. Em como jogou tudo fora e como, meses mais tarde, isso se escancara como uma puta erro, mas só depois de você passar bastante tempo sozinho curtindo do seu jeito e sem ninguém buzinar no seu ouvido que você merecia alguém bem melhor e ai, ai, ai, manda essa menina embora ou. Ou. Duas letras que estragam tudo. E lá, bem depois, quando você acordar de madrugada ou não conseguir dormir, vai relembrar tantos momentos, mas tantos mesmo, que vai parecer até uma vida paralela. Mas não é. É seu amor. Aquele que não pode deixar de existir, sumir ou tirar férias porque é pra valer. Ele pode aquiescer ou ficar escondidinho onde você o colocar. Mas nos momentos em que a solidão bate, ele volta com força. Porque amor é antônimo de solidão. E amor não tem sinônimo nenhum. Amor é amor e só. Contente-se. Quando você menos esperar ele vai ser o suficiente e vai valer todas as dores de cabeça e incômodos tristes. E quando o amor voltar, você vai querer correr. Talvez pra fugir, talvez pra encarar. E talvez seja tarde, você vai pensar. Não, nunca é tarde para aquele amor. Ele espera. Sempre espera. E então, enquanto relembra os momentos de alegria e silêncio gostoso que viveu, você vai perceber que os tropeços não foram tão dramáticos quanto pareceram na época. E aí vai de você escolher se volta ou não. Pode continuar sua vida e encontrar outra pessoa, mas nunca será a mesma coisa. Pode seguir em frente sem olhar pra trás. Talvez você consiga. Mas o amor só vai, mais uma vez, ficar escondidinho pra doer mais tarde em outro momento qualquer e te chamar de burro na cara dura. Então, se você tiver oportunidade, corra rápido atrás do amor e diga tudo. Ou nada. Porque o amor se explica sozinho. Para você basta a parte de esquecer as mágoas e agigantar o amor de novo. Deixar que ele se solte e simplesmente seja. Ele nasceu pra ser e fica mais bonito quando não podado de tempo em tempo. Mas pode renascer das cinzas, como uma fênix, tão lindo quanto, porque as cinzas estarão ali pra sempre. Você volta lá no ponto em que alguma coisa se perdeu e te fez ir embora e encontra essa alguma coisa. E não diz nada, só abre um sorriso inseguro. Basta. O sorriso já basta. Porque o amor esteve te esperando todo esse tempo, padecendo de solidão e tristeza, mas confiante. E assim que te enxergar, sorrindo inseguro sem mala nas mãos, só com a roupa do corpo e a vontade de recolocar o trem nos trilhos, ele vai abrir os braços, sorrir firme e fechar os olhos. E quando você entrar no abraço e o mundo parecer acabar ali, os flashes vão pulular na sua cabeça e seu coração vai estar à beira de explodir de tanta felicidade. E o amor vai chorar contidamente. Chorar porque você voltou. E só nesse momento, depois de sabe-se lá quanto tempo você perdeu – sim, todas as horas que você deixa de viver seu amor é tempo perdido para sempre – ele vai conseguir respirar novamente. Inflar o peito e soltar um suspiro de alívio. Vai poder acordar, achar o dia bonito e lembrar que a vida é mais do que as quatro paredes da solidão e do abandono em que esteve preso. E, ainda durante o abraço, ele vai voltar a pulsar como há tempos não fazia. E você vai sentir. Porque o amor vai pulsar em você, dentro do seu corpo. E aí sim vai ser tarde demais. Tarde demais pra impor os limites que você vinha impondo. O amor vai correr livre. Feliz. Mas sempre em círculos, em volta de você, porque o amor não foge. Nunca. Nem se armar temporal e o varal estiver cheio. O amor sabe que o temporal vai passar sem fazer grandes estragos. As vezes cai uma telha, a gente perde o chão. Mas depois ajeita. O amor confia desde o começo. Amor é simplesmente amor e não tem fim, mas talvez você leve muito mais tempo pra perceber. E se foi amor e agora você acha que não é mais, não era amor. Pode ter sido uma paixonite ou algo assim, mas amor não. Porque amor não acaba. Nem quando a distância mete o dedo onde não deve. Nem quando o atrito vem forte demais. O amor sobrevive. Confundir paixão que passa com amor que fica é cruel com a outra pessoa que ama. Mas, se era mesmo amor e você estiver pensando que não e jurando pra todos e pra si mesmo que não, que era tudo menos do que parecia, que nada foi real e tão intenso assim, você está fazendo a maior cagada da sua vida. Merda das feias mesmo. Está chutando quem te via como o sonho de uma vida. O sonho de futuro. De para sempre. Está abrindo mão da pessoa que tinha todas as ferramentas na bagagem pra estar ao seu lado aonde quer que você fosse. E toda a vontade possível também. Pra entender seus sonhos e vontades. Pra te segurar quando você estivesse caindo. Pra comemorar quando estivesse no topo. Pra secar suas lágrimas e provocar suas gargalhadas. Você está jogando fora o amor. Aquela a quem você mesmo ensinou que amor existe, que não é conto de fadas. E que pode ser muito, muito forte. Tão forte que pode mudar todas as concepções que antes eram rígidas. E amor não se joga fora, mas se você não perceber, vai aprender só muito mais tarde o que no começo queria ensinar. Que amor supera. Barreiras, destroços, distância, tempestade. Que o amor dá conta. Era nisso que você acreditava, era por isso que chorava e sorria e foi isso que escapou porque você deixou. Mais do que isso, porque você mandou. E o amor, resignado a fazer tudo por você, obedeceu e foi embora. Deixando o coração e a alma ali, mas foi embora. E só quando a juventude já tiver sumido e a falta for a coisa mais dura da sua vida, você vai entender que amor não se cospe pra cima, porque o cuspe pode cair de tabefe no chão e não de volta em você. E jamais se fecha a porta na cara dele, como você fez. Porque o amor fica escondidinho e dormindo quando mandam e não morre, mas pode entrar em coma profundo. E, então, você perdeu. Ele esteve sempre ali, mas você perdeu porque quis. Por birra. Por achar que dava pra viver sem ele, mesmo depois de uma história inteira construída. E linda. E... verdadeira? Você perdeu e o silenciou para sempre, ainda que ele tenha tentado voltar. Ele suportou toda a rejeição possível, mas ficou doente. Amor adoece. Muito, às vezes. Severamente. Mas, se você for perspicaz, vai encontrar a cura onde menos espera. Dentro de você e dentro dos olhos do outro lado do amor. E vai lutar. Vai fazer quantas ressuscitações cardíacas forem necessárias pra vê-lo abrir as pálpebras de novo. Ele volta. O amor sempre volta quando é amor. E apanha quanto precisar, até estar virado em trapo e sangue. Apanha pra valer. Desde que você saiba exatamente a hora de parar de bater e botar no colo pra cuidar. Amor verdadeiro é infinito e há de eterno, mas é uma criança que não sabe viver sozinha e tem que ser carregada pela mão pra atravessar a rua. Amor verdadeiro deixa a pessoa meio louca, mas vale a pena. Porque amor não é pra todo mundo. Amor escolhe a dedo onde existir. Escolhe com cuidado o lugar onde vai se instalar pra sempre, desde que você não o mande embora. Se ele puder ficar, ele será o amor. E, provavelmente, a melhor coisa que já te aconteceu na vida. Amor é só amor, mas é tanta coisa aí dentro das quatro letras que a gente gagueja e não sabe nem por onde começar. É grande demais. É sofrido demais. Mas é maravilhoso, porque no amor um abraço cura tudo e o quentinho do colo acalma as dores. Então, no fim das contas, eu até consigo escrever o amor em um parágrafo. Mesmo depois de tudo. Mesmo depois de ter visto ele ser jogado na lata de lixo. Consigo escrever em um parágrafo. Mas tem que ser longo, muito longo, cheio de desdobramentos. Senão não cabe. Não encaixa. E amor tem que encaixar. E se encaixar você tem uma vida inteira pela frente pra descobrir. E se surpreender. Porque amor é surpresa e, ao mesmo tempo, a estabilidade e a certeza mais intrínseca em você. Mas tem que encaixar. Precisa mesmo encaixar e só encaixa uma vez na vida, com a pessoa que o amor escolher. Se encaixar tá tudo certo. E daí se a gente sofre? No final não é nem o fim que importa, é só o amor e por quem ele te faz tombar de felicidade. Ou tristeza. É o amor.

Deve ser...



Se amor existe...

Deve ser preocupar-se e querer bem com carinho sempre, sem egoísmo ou esperas. Deve ser essa amizade abnegada de quem gosta sem reservas. Deve ser esse respeito pela individualidade, essa troca contínua, tranqüila e grande. Deve ser o toque das mãos e o abraço de alma. Deve ser compartilhar e compreender, mesmo quando não se entende. Deve ser essa afeição sincera e pura. Essa vontade de estar junto e deixar livre, concomitantemente. Amor deve ser estar em companhia por prazer sempre. Amor deve ser esse respeito e cuidar constante. Deve ser essa proteção abnegada. Deve ser esse altruísmo, que sabe bem, será correspondido. Amor deve ser esse dom, essa escolha, esse presente. Amor deve ser isso que existe desde sempre, por desígnio. Por destino e vida. Amor deve ser essa certeza que, gratuitamente, será companhia para sempre.

...deve ser isso.

Solidão



...a maior solidão é a do ser que não ama. A maior solidão é a do ser que se ausenta, que se defende, que se fecha, que se recusa a participar da vida humana. A maior solidão é a do homem encerrado em si mesmo, no absoluto de si mesmo, e que não dá a quem pede o que ele pode dar de amor, de amizade, de socorro. O maior solitário é o que tem medo de amar, o que tem medo de ferir e de ferir-se, o ser casto da mulher, do amigo, do povo, do mundo. Esse queima como uma lâmpada triste, cujo reflexo entristece também tudo em torno. Ele é a angústia do mundo que o reflete. Ele é o que se recusa às verdadeiras fontes da emoção, as que são o patrimônio de todos, e, encerrado em seu duro privilégio, semeia pedras do alto da sua fria e desolada torre.

Vinícius de Moraes in Para viver um grande amor



quinta-feira, 7 de junho de 2012

Um caminho para terra do nunca



Acho que ninguém lembrou de dizer para ele, em algum momento, que ele poderia fazer diferente. Poderia ir fazer um curso, dançar só nas festas da turma, ou nada disso. Esqueceram de dizer que ele não era mais obrigado. Poderia seguir uma rotina comum, de gente comum. Acho que esqueceram de avisar que se ele não quisesse mais aquela vida, poderia parar. Seu pai não mais o puniria por isso. Acho que esqueceram de dizer que ele não deveria fazer o que eles não podiam fazer. Não poderia ter um parque, nem gastar os milhões que ele, e somente ele, lutou para conseguir, da forma que ele desejasse. Acho que esqueceram de dizer que no mundo de gente grande ter desejos lúdicos é pecado. Tentar ser feliz então, nem se fala, uma afronta. Ser feliz? Isso nem se discute, para os adultos isso não existe. Não se tem tempo para isso, ora! Acho que não disseram para ele que não adiantava explicar, se, mesmo tendo suas verdades, eram as mentiras que eles queriam. Não importava que o acidente tivesse queimado seu cabelo, quebrado seu nariz ou mudado sua cor. Esqueceram de avisar também que, se fosse só vaidade mesmo, ele não devia explicações a ninguém. Talvez se ele fosse um legítimo adulto, que colecionasse relações grotescas com mulheres e/ou homens e/ou drogas e/ou bebidas, tudo estaria certo. Se ao menos ele guardasse todo o dinheiro do seu trabalho ou doasse, mais ainda, para as crianças carentes – aquelas por quem eles mesmos não faziam nada além de fingir preocupação. Mas, não. Ele pecou muito, muito mesmo. Gastou do que ganhou, o que quis, como quis. Brilhou, indiscutivelmente. Gostava de bichos, brinquedos e crianças. E, além de tudo isso, encontrou um caminho para a Terra do Nunca. Mas, por fim, ninguém o avisou que ele poderia ficar tranqüilo, o problema não estava nele. O problema era que ele tinha talento demais, dinheiro demais, possibilidades demais, sucesso demais e luz demais e - estivesse errado ou não, pecando ou não - ele precisava pagar. Porque eles não tinham.

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Coerência

Vamos ser coerentes, vamos? C-o-e-r-e-n-t-e, entende? No dicionário: ‘ligação, harmonia, conexão ou nexo entre os fatos, ou as idéias’. Na prática: viver o que se diz ser. Eu prego o perdão, não posso guardar rancor. Eu prego a espera, tenho que ser paciente. Ah, e eu prego a verdade, não posso mentir. Quem é sincero não vai agir com inconfidência. Eu prego a liberdade, tenho que libertar. Chega das incongruências nestes dias. Tem gente se dizendo fiel e sendo pérfido em segredo. Gente falando de ternura e matando em seus olhos por inveja. Gente que diz odiar falsidade e força lágrimas para aparentar uma delicadeza que não possui. Gente que quer transparência, mas tem uma vida que não pode ser descoberta. Quem é sincero não precisa dizer para ninguém. Quem é gentil não precisa convencer os outros disso. Já passou da hora de ser o que se diz ser. Ser predicado do mesmo sujeito, sabe? Vamos?

terça-feira, 22 de maio de 2012

Vazio

Um vácuo de emoções, uma vontade de nada ou nenhuma coisa, tanto faz. O amor sempre virou cinza sem que eu sentisse o calor das chamas. Uma espera pelo que vai chegar, vai chegar, vai... Vai? Não sei, mas hoje choveu. E com trovões e relâmpagos. Sim, continuo gostando deles. Acho bonito. É realmente um gosto estranho. Sabe, acordei hoje e pensei em gérberas. Depois me espantei que no jornal a notícia importante fosse quem não roubou. Deveria ser o contrário, não? Ah, o sonho dos românticos! O poeta disse para não tirar a poesia das coisas... Acho que sinto fome. Uma fome arrebatadora. E nem poderia dizer que é fome pelo doce da vida. Sempre gostei do amargo, acho que acostumei com o sabor dos dias. Fome que pede saciedade para um amor, resposta para uma dúvida e dúvidas perante minhas respostas. Fome de uma firmeza insana, de braços estáveis. O coração ronca e os lábios desenham um sorriso pequeno, pedinte. Acorda de um silêncio abrasador. E sai alucinado, cheio de aforismos. No meu sonho, ontem, o céu escuro e o sol estavam na mesma linha de visão, o mar e a montanha gelada. Sei lá, acordei crendo que tudo era possível. Acho que vai durar até o próximo sonho.

domingo, 20 de maio de 2012

Me cuidarei, pode deixar. Me cuidarei para estar inteiro amanhã de novo, para te ver de novo, te beijar de novo. Me cuidarei para me tocares com suavidade, para nunca encontrares um arranhão sobre a minha pele. E cuidarei do meu humor, cuidarei para não perder a hora, cuidarei para não me apaixonar por outro alguém, cuidarei para não te esquecer, vou me cuidar.Fica a meu encargo voltar pra você do mesmo jeito que você me viu hoje. É de minha responsabilidade não ficar triste, não deixar ninguém me magoar, não deixar que nada de ruim me aconteça porque você.. você não agüentaria. Claro que me cuido, nem precisava pedir. Te cuida, me dissera. E eu ouvi como se fosse um te amo...

Sua visita

"Eu quase nada sei, mas desconfio de muita coisa" - Guimarães Rosa

Sinto quase vontade de dizer tudo. Sempre escrevi para me manter vivo, para não deixar-me acumular, acumular e terminar por incontáveis letrinhas no chão que explodiram por não mais caberem em si. Há muito que não quero, enão posso esquecer. E há sempre o que precisa ser revelado. Mas em seu tempo próprio, em ritmo certo. Eu mesmo determino este ritmo e, por ser parecido comigo, é devagar e, mais que isso, sem pressa. Devagar por escolha, por preferência. No entanto, escolho algumas palavras para comunicar-me com quem sente comigo, com alguém que na busca por alguma coisa passou por aqui e, tenha encontrado ou não, permitiu-se desvairar sobre o amor, este tema favorito. E concordou ou discordou de minhas palavras, mas me perdoou em ambos os casos. Mas se pudesse contar-te um segredo eu diria bem baixinho que você não está preparado, ainda. É preciso mais tempo, mais cumplicidade, mais paz. Um dia poderei contar que meu maior medo é minha maior força. Contarei que ainda não encontrei o abrigo e, por isso, resguardo-me tanto. Com aquela confiança de quem se entrega, deixarei que sintas que quem está oferecendo cuidado pede proteção. Um dia aqui, enquanto estivermos assentados lendo algum livro, contando as descobertas desta vida inexplicável ou distribuindo carinho gratuito, como em um passe de mágica, segurarei sua mão e estará explícito o sinal. Então ainda baixinho contarei o tudo, que sempre traz mais, e o nada, que vai ser a distração. Enquanto acredito que coincidências não existem, acredite que seus passos, mãos, olhos e coração não te levam nem te trazem por acaso. Há em ti, como em mim, esta procura por aquela palavra desconhecida, aquele sentimento completo, aquela busca que traga um sentido definitivo. Não sei o que encontraste aqui que possa ao menos ter refrescado a parada enquanto segues tua caminhada, mas creia que se não encontrou o que procuras encontrou quem também não cessa sua busca; e se não há em mim as respostas, embora haja todas as perguntas, poderemos trocar palavras e afetos, e continuarmos, juntos ou não, com um pouco de mais esperança e beleza. Então, recebo sua visita com um sorriso de qualquer tamanho e um abraço sempre. Pode ficar perto, deita comigo a observar as estrelas, passeia de mãos dadas pelo jardim, escreve um verso sem rima, toma um banho de chuva e não faz promessas. Agora a gente procura junto.

sábado, 19 de maio de 2012

Intensões

Palavras soltas, em um pensamento preso por mim, pelos outros, por nós. Sabe, era amor demais. Chorei por amar tanto, por ter tido a oportunidade de ter tantas pessoas por quem quero tanto bem. Chorei porque elas nem devem saber a dimensão. Pensei em todos os abraços que não dei, mas poderia ter dado. Em todos os beijos omitidos pelo perigo da má interpretação. Há o que se decodificar em abraçar alguém? Em sentir carinho, afeto, ternura?! Pensei na amiga que estava ao meu lado e eu não sabia. Quantos cumprimentos carinhosos que não foram ditos. E poderiam ter sido. Penso hoje que muita gente não sabe a dimensão do que sinto, de quanto os quero bem. Algo que me traz tanto afeto. Bem que me fazem sem ter o menor conhecimento do que está acontecendo dentro de mim. Não mais mediarei o carinho que quero dar. Respeitarei minhas vontades, e destilarei tudo que puder, onde estiver, quando estiver. Espalharei pelo mundo partes de mim. Disseminarei a amabilidade que me faz chorar de tão grande e leve.E sim. Com primeiras, segundas, terceiras...todas as intenções. Todas.

Ele e o Frio


Naquele dia ele estava sozinho. Sozinho de todos. Cansado de todos que conhecia, de todos que já havia conversado. Não queria o passado e não se apegava a uma esperança de futuro. Apegava-se ao que tinha: nada além dele mesmo, e uma alegria infame e só dele, não partilhável. Não era alegria pelo que havia vivido; não era alegria pelo que estava vivendo e muito menos pelo futuro, ao qual ele não depositava a menor expectativa. Não era uma alegria por estar vivo, nem por não estar morto. Estava tão frio. E naquele dia, naquela época, era a única coisa que havia de bom. Estava frio. Não era, estava. Não exigia e ia passar. Ia passar. Vivia isso, embora não acreditasse, nem admirasse. Não interessava se ia passar, se havia passado. Não pensava nem no passado, nem no presente, nem no futuro. Detinha-se a sentir frio. Águas dos céus caíram. Fortes, impetuosas, atraentes. Como talvez ele tivesse sido um dia. Não lembrava, pois não se lembrava do passado. Ele estava sozinho. Não tinha medo, porque não esperava nada além daquele dia. Não haveria arrependimentos, porque não havia espera. Quem não espera não se decepciona. Não se lembrou dos conselhos, porque não se lembrou do passado. Não pensou no presente, porque ninguém estava presente. E não temeu o futuro porque não esperava mais por ninguém. Abriu a janela sozinho. Pulou sozinho. E deixou os pingos, a chuva, e toda aquela água infinita, que não podia controlar nem medir, molhar o corpo, a alma, a solidão, a não expectativa e entregou-se ao que havia de bom: o frio. Quando estava com o corpo molhado, a alma molhada, o frio molhado; fez resoluções – dessas que costumava concluir pra depois ter certeza de que era algo vão. Mas soube que nunca diria para ninguém. Ele era sozinho, não mais só estava. Acima de tudo ele, sozinho, soube de algo. Não entendeu, nem decidiu, nem descobriu. Ele soube que sozinho, como ele sempre fora e agora tinha certeza disso, viveria sozinho o que de bom houvesse. Sem refletir sobre o passado, que não estava mais presente. Nem sobre o presente, por estar ocupado. E muito menos sobre o futuro. Ele viveria o que havia de bom. Ele escolheria, decidiria e não sofreria por ninguém. Não seria insensível, apenas assumiria a solidão que era castiça. Era e seria assim. Ele estaria sozinho e ninguém mediria significância. E se medisse também ele não saberia por que ele estava sozinho. Entrou no quarto, fechou a janela e o frio agarrou-se a ele. O dia passou. O frio também. Ele continuou sozinho, mas desde aquele dia, com a alma encharcada. E continua vivendo sozinho o que há. Não é preciso refletir. Estando sozinho pode simplesmente viver. Respinga em outros que não entendem de onde vem aquela distância, aquela alegria não partilhável e aquela introspecção. Disso só sabem as águas, o frio que foi cúmplice e motivo e ele mesmo.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Ensaio sobre a amizade



Que qualidade primeira a gente deve esperar de alguém com quem pretende um relacionamento? Perguntou-me o jovem jornalista, e lhe respondi: aquelas que se esperaria do melhor amigo. O resto, é claro, seriam os ingredientes da paixão, que vão além da amizade. Mas a base estaria ali: na confiança, na alegria de estar junto, no respeito, na admiração. Na tranqüilidade. Em não poder imaginar a vida sem aquela pessoa. Em algo além de todos os nossos limites e desastres. Talvez seja um bom critério. Não digo de escolha, pois amor é instinto e intuição, mas uma dessas opções mais profundas, arcaicas, que a gente faz até sem saber, para ser feliz ou para se destruir. Eu não quereria como parceiro de vida quem não pudesse querer como amigo. E amigos fazem parte de meus alicerces emocionais: são um dos ganhos que a passagem do tempo me concedeu. Falo daquela pessoa para quem posso telefonar, não importa onde ela esteja nem a hora do dia ou da madrugada, e dizer: “Estou mal, preciso de você”. E ele ou ela estará comigo pegando um carro, um avião, correndo alguns quarteirões a pé, ou simplesmente ficando ao telefone o tempo necessário para que eu me recupere, me reencontre, me reaprume, não me mate, seja lá o que for. (...) A amizade é um meio-amor, sem algumas das vantagens dele, mas sem o ônus do ciúme – o que é, cá entre nós, uma bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro para chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar namorado ou namorada, é poder aparecer de chinelo de dedo ou roupão, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter de dar explicação nenhuma. (...) Amigo é aquele a quem a gente recorre quando se angustia demais, e ele chega confortando, chamando de “minha gatona” mesmo que a gente esteja um trapo. Amigo, amiga, é um dom incrível, isso eu soube desde cedo, e não viveria sem eles. (...) a vida é uma construção, também a vida afetiva. (...) amigos não nascem do nada, como frutos do acaso: são cultivados com… amizade. Sem esforço, sem adubos especiais, sem método nem aflição: crescendo como crescem as árvores e as crianças quando não lhes faltam nem luz nem espaço nem afeto. Nesta página, hoje, sem razão especial nem data marcada, estou homenageando aqueles, aquelas, que têm estado comigo seja como for, para o que der e vier, mesmo quando estou cansada, estou burra, estou irritada ou desatinada, pois às vezes eu sou tudo isso. Ah! Sim. E o bom mesmo é que na amizade, se verdadeira, a gente não precisa se sacrificar nem compreender nem perdoar nem fazer malabarismos sexuais nem inventar desculpas nem esconder rugas ou tristezas. A gente pode simplesmente ser: que alívio, neste mundo complicado e desanimador, deslumbrante e terrível, fantástico e cansativo. Pois o verdadeiro amigo é confiável e estimulante, engraçado e grave, às vezes irritante; pode se afastar, mas sabemos que retorna; ele nos agüenta e nos chama, nos dá impulso e abrigo, e nos faz ser melhores: como o verdadeiro amor.


Lya Luft

Passou

Foi tal qual um pequeno susto. Um tropeço e aquele momento: não se sabe o meio – se deve chorar, gritar, fazer manha ou drama. O momento se interrompe pelo abraço, que na verdade era o fim desejado por todos os meios. A tal obscena compulsão por ser amado... Pois bem, então alguém se lembra de dizer: ‘pronto, vai passar. Passou, passou’. E passa! Não sem dor, não sem durar o tempo que deveria. Mas por não duvidar que vai passar e pela pequena paciência da espera, passa. E logo. Pode ser que incomode um pouquinho quando molhar, no começo – uma forma de lembrar o que aconteceu - então vai passar. Fica uma pequena cicatriz talvez, não sem propósitos. É por ela que não se esquece. A dor passa, o momento passa e o choro também. Mas a cicatriz fica. Ainda bem. Assim, ainda dá pra brincar, para pular, para se entregar e confiar, mas não com a tolice de pensar que nada de mal pode acontecer. Pode, pode sim. E efêmera verdade: vai passar. Sempre vai, vai sim.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

A magia de ser eu mesmo



No café da manhã engole a sua infinidade e caminha carregando o peso de estar preso em si mesmo. Caminha atentando os detalhes, procurando uma companhia. Não corresponde ao comum, não se encaixa. Sorri um sorriso que as pessoas não conseguem devolver, deseja um bom dia que as pessoas não conseguem entender. Está sempre quieto, tranquilo, praticamente alheio. Está tão sozinho por fora. Mas à noitinha ele tranca a porta e a magia acontece. Ele cospe a intensidade guardada e se veste dela mesma. Assiste a vida passar lá fora como se não fizesse parte dela. A vida dele está toda do lado de dentro. Tem amigos imaginários, paredes terapeutas e almofadas que conseguem abraçar. Faz poesias enquanto cozinha e consegue enxergar a cor dos sentimentos. Tem uma alma toda colorida - em tons pastéis. Ele brinca, canta, sorri, dança, desenha, chora, perdoa, fotografa, se faz companhia, se admira. Ele se liberta. Até que ele cansa (a intensidade o deixa exausto). Então ele dorme cansado de existir. Adormece com um sorrisinho de quem não está sozinho. Até a manhã seguinte, quando ele acorda.


Minha ausência das palavras deu-se por eu estar muito ocupado,escandalosamente feliz. Preciso compartilhar o que senti, e deixou em mim uma felicidade pequena, de quem ama grande. Sempre se gasta tanto tempo e tantos versos poetizando tristezas, que acho justo fazer o mesmo da alegria. Mas sem expectativas, nada aconteceu de estrambótico. Só estive perto de amores, os primeiros e os últimos, e os vi compartilhando risos e leveza. Coisa pouca mesmo, como tudo que é preciso para me fazer feliz. Devo considerar que, após exaustivas dores, é muito possível aprender também nas alegrias. E devo considerar mais ainda, que só o sentimento dememento mori me fez perceber as alegrias do presente como dádivas e não rotineiro merecimento. Se por tempos vivi uma liberdade silenciosa, agora não é mais possível esconder. O perfume de uma alma liberta invade. Indisfarçável. Senti orgulho de saber que estamos no passo certo e que são para pequenos momentos como estes que devemos continuar a caminhada - a permissão a nós mesmos da alegria sem culpa. Tenho sentido a melhor de todas as ledices, e a minha preferida, esta de completamente grato. Quem ama nesta vida – e reconhece – entende a que me refiro. Tenho dito.

Sente aqui...

Sente aqui, querido. Não há mais nada além para fazer. Agora só te resta se deixar levar sem espernear ou lamentar. Ah, doce querido, não é tão ruim assim! Somos um pouco a vida dos outros também, sempre haveremos de sentir por eles. Coisas boas, ruins, certas ou erradas. Não esqueça que vai passar. Eu, por exemplo, já quis fugir com o circo. Mas não foi possível. Já quis eliminar quem hoje amo. O contrário também. Fiz os dois. Mas ninguém poderá te ensinar o que deverás aprender. É assim. Faz do agora tua escolha. Não é impossível, digo por experiência própria. É possível seres inteiro em tudo. Sente por inteiro tua dor, só assim saberás o valor da alegria quando a roda da fortuna te trouxer. Idas e vindas, perdas e ganhos. Alternância com propósitos além do óbvio. E também impossível de explicar. É necessário sentir. Sente aqui, querido. Não há mais nada além para fazer.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Sobre a decepção e outras coisas

A palavra decepção surgiu na Grécia antiga quando uma mulher deveras apaixonada sofreu com as peripécias do homem amado. Ele não se importava, ditava seu falso amor ao vento e erguia outras saias brancas e esvoaçantes por aí, achando graça em qualquer detalhe dourado que prendesse cabelos compridos. A tristeza da mulher era tamanha que escolher uma palavra já existente no vocabulário para expressar sua dor se mostrou uma tarefa impossível. Assim, ela criou a decepção (do grego: decepar o coração), que logo tomou grandes proporções, já que muitas pessoas se identificaram com o novo nome dado a um velho e conhecido sentimento. Ela era perspicaz, ao menos.
Mentira. Não faço a menor ideia de como nasceu a palavra decepção, mas sei que foi muito bem parida; há aflições que só ela explica. Até poderia fazer uma busca pela origem no Google, acho, mas não sou exatamente do tipo que procura respostas para o que já está em mim desde que nasci. Não preciso de um dicionário nesse caso, obrigado. Investigando bem ao fundo, a decepção é algo intuitivo que sempre esteve guardado em algum canto genético de nossos cérebros. Como uma pessoa que carrega um vírus desativado. E, de repente, um alguém externo vem cutucar feridas não tão limpas e higienizadas assim e pronto, a decepção se instala. É para aprendermos como a antissepsia é realmente importante e pode prevenir. A decepção não se cria nem se desenvolve. Apenas surge. Assim, do nada mesmo. E aumenta, e como aumenta, alimentando-se de lascas de desafeto, amargura, desdenho... qualquer coisa que venha de quem você menos espera. Quando sua dor é provocada por alguém a quem você daria sua vida, ou algo mais ou menos assim – um braço já está valendo -, pode-se dizer que você está vivendo uma decepção. E, convenhamos, não há nada mais pesado do que estar decepcionado. É pior que tristeza, porque tristeza dá e passa. Pode demorar e deixar cicatrizes, mas passa. Decepção fica. E nunca cicatriza nem clareia hematomas. Decepção é o lenço que a gente sempre carrega na bolsa ou no bolso, só que com muitos quilos a mais. Aquele tão grudado lá no fundo que dá preguiça de tirar. Outra coincidência: assim como os lenços, decepções também costumam carregar lágrimas com frequência. Não são cortes limpos e lisos como os de um cirurgião bem treinado, estão mais para cortes serrilhados e lentos de contrabando ilegal de órgãos. O que combina, porque sempre parece que a decepção está mesmo levando um grande pedaço de você. Menos o fígado, porque ela sabe que você vai precisar e muito dele depois de conhecê-la.
É diferente para cada pessoa. Eu, por exemplo, vejo decepção em cada passo que dou pelas avenidas de uma cidade. Ou ruelas menores, tanto faz. O ponto crucial vem dos passos, não do lugar. Um passado de fracassos, um presente de dúvidas e erros, um futuro sem futuro. A maneira mais fácil que já encontrei – sem querer, é claro – de viver uma decepção, foi olhando para meu próprio reflexo no espelho lá do quarto. Grande, comprido, feio, pavoroso. Entupido de arrependimentos, descrenças e medos. Rugas internas de uma mente velha que vive em um corpo jovem, gordo e flácido demais. É uma decepção em cada risquinho colorido da retina, como se eles fossem uma contagem histórica e depressiva de todas as adversidades inaceitáveis de uma vida. Eu já me decepcionei com eles, com elas, com você, com o andar da carruagem de meus dias sem graça. Já me decepcionei com tantas coisas que decorei a feição que a gente faz quando passa por isso. Mas nunca me decepcionei tanto quanto comigo mesmo. Nunca tive nojo ou raiva dos erros alheios, apenas dos meus. E jamais desprezei uma imagem que não fosse a minha. Porque não ter sabido tomar conta de mim por tanto tempo e decepar meu próprio coração não tem perdão.
Vivo a decepção todos os dias, como a mulher da Grécia antiga deve ter vivido e como suas antepassadas também. Hoje não preciso sofrer um golpe a cada dia para me sentir assim. Hoje já aprendi a me resguardar e não deixar que me tomem por um bobinho. Mas vivo a decepção de quem não sabe para onde ir ou sequer onde ficar. De quem não idealiza uma vida, de quem não difere certo e errado, de quem enxerga tudo como um grande tombo em direção ao abismo. De quem tenta, tenta e tenta uma terceira vez, sabendo que o resultado será sempre o mesmo. De quem enxerga os olhos vermelhos a cada dia, mas pinga um colírio e sorri para esconder a tristeza, porque é assim que o mundo quer. Não há nada pior do que decepcionar-se consigo mesmo. Porque você pode até dar um braço ou sua vida por alguém e esse alguém te matar de dor por algum tempo. Mas você se salva e sempre dá um jeito de se reerguer, nem que seja como em uma pintura falsa de meio sorriso. Mas quando você dá uma porrada em sua vida ou esmaga seu próprio braço, não há ninguém capaz de te puxar da escuridão. E então você apenas fecha os olhos e deseja com força a cadeira elétrica, porque é apenas isso que merece, enfim. E lembra que mora no Brasil. Não temos o direito da cadeira elétrica por aqui. E então você chora, porque a decepção não sabe ser contida como outros tantos sentimentos. Ela escorre mesmo e se acha o máximo, muito melhor do que você e sua fraqueza infinita.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

O que procuras?

O que procuras? O que vieste fazer aqui hoje? Procuras romances? Sonho? Verdade? Procuras a mim? Ou a ti? Queres que eu te dê voz? Que escreva por ti? Que diga o que não tem coragem? Ou não sabe? Ou não acreditas? Ou não podes mais? Queres zombar? Queres me diminuir? Ou te diminuíres? Queres que eu escreva o que queres ler? Queres o meu romantismo? Ou meu realismo? Queres duvidar de que seja possível? Ou queres acreditar que seja? Queres os meus olhos? Ou os seus? Pois afirmo que não encontrarás aqui nada além de ti mesmo. É teu olhar no meu que fará destas letras algo de bom – ou ruim. Se vieres com amargura vais sair daqui acreditando ser tudo uma grande ilusão de um coração romântico bobo demais. Se vieres com esperança vais sair daqui acreditando que é possível fazer tudo ou alguma coisa valer à pena. Se vieres não desejando nada, é com nada que vais sair. Vais entender então, um dia, que é teu olhar que faz o teu mundo. Que amas o que é teu em outro, e a recíproca vale para o ódio. Não é o que está diante de ti, mas o que procuras. A propósito, o que procuras?

quarta-feira, 25 de abril de 2012

O que queria dizer!

Desculpe por ligar essa hora da noite. É tarde demais, eu sei, assim como é tarde demais para nós dois, segundo eu mesmo. Mas eu só queria dizer que eu gosto de você. Que não consigo dormir porque agora você é apenas seu e nada meu, embora todas as suas lembranças estejam aqui. E eu sou uma memória, uma triste memória do que você já não quer viver. Não quero ser uma memória gostando assim, nem ao menos sei se memórias sabem gostar ou apenas parasitam o amor que a gente sente. E eu gosto de você, então não posso ser uma memória. Preciso ser seu, como era antes, como sempre fui desde o dia em que você segurou minhas mãos e tirou o celular delas. Dizem que a noite traz dezenas de coisas, especialmente o sono. Para mim ela ás vezes carrega um toque de angústia e solidão .E as lembranças que tenho de você (hoje tem sido assim). Mesmo quando esta longe, você esta aqui, como um sopro leve em meu olhos cansados, meu sono fraco e meu peito inseguro. E agora nada. Um travesseiro, um edredom e gritos de tristeza que acordam os vizinhos. Tocaram o interfone aqui. Pediram para parar com a barulheira. Mas você não ouve minha sofreguidão incontida. Você está longe demais e agora nem o que estava perto está mais. Desculpe por ligar e soluçar tanto minha dor aos seus ouvidos. Mas é que eu gosto de você.
Posso estar sendo presunçoso, mas acho que mereço um pouco de compreensão, perdão ou seja lá o nome que você queira dar a isso. E mereço que você volte a ser como era antes. Porque acho que posso mesmo te fazer feliz, ainda que eu seja uma pessoa triste. Estou pedindo pela primeira vez que reconsidere a situação.
Estava me perguntando o que faria com todos os tópicos sobre você que estavam escritos em meu diário mental, não sei. Não tenho como jogar no lixo o fato de gostar de você,de almejar algo juntos, sobre isso que você me passa a impressão de não acreditar.Eu sou idiota mesmo. Você quer trilhar estradas com outro alguém,comigo ou  só, enquanto isso eu sentei aqui para te esperar voltar porque não posso seguir adiante nessa situação. Você tem a capacidade de ser grande, eu não. Eu precisava de você para me aumentar, para acrescentar tudo que me faltava. Pimenta, sal, açúcar, cor. Mais do que tudo, cor. Tudo que eu queria era continuar gostando de você, mas ele está aí com você e eu não sei o que fazer além de cair de joelhos e pedir que você não jogue tudo que se passou fora e que traga uma chance de continuarmos vivendo outras tantas coisas como eu mesmo já imaginei algumas vezes.
Então estou aqui,  pedindo que me perdoe por ligar tão tarde. E por aprender tão mais tarde ainda o que deveria saber desde o começo. E também peço perdão por ter aquela coisa chamada insegurança. Aquela que te afastou de mim. Mas, acima de tudo, peço perdão por não conseguir me desvencilhar de você e te dar a paz que você quer longe de mim. A questão é que estou sem sono. Não sei ser sua linha paralela.Com 2 as coisas ficam mais fácil, acredita em mim. Em nós. Acredita em tudo que você costuma acreditar e que eu carrego como algo subversivo na minha vida.  Nós podemos. Sempre acreditei quando você dizia que  de alguma forma poderíamos. Sempre dei um jeito de tentar. Acredita em mim , já que tudo se inverteu. Dessa vez não é de mim que dependemos, porque já aprendi. Estou dizendo que podemos. É só você voltar a ser como antes. Troco minha escrita – sempre melhor quando estou sozinho e desnorteado – para estar com você. Você disse através de um texto que eu preciso aprender a não desistir sem tentar.Você me entende e sabe lá no fundo que se eu pudesse melhorar com um piscar de olhos já teria feito isso para te convencer. Mas eu preciso de um pouco de paciência e compreensão para continuar melhorando aos poucos, com passos de bebê. Posso me acostumar com sua ida para longe, desde que você esteja comigo. Você não me deu tempo para captar as mudanças ao redor. Eu só preciso que você me dê um tempo, sem ficar longe de mim.
Desculpa por ligar tão tarde. Você só respondeu “tchau” e eu até entendo que mereço, apesar de querer asfixiar o rosto embaixo do travesseiro. Desculpa por ligar tão tarde. Mas é que não consigo dormir.

terça-feira, 24 de abril de 2012

Do Silêncio

Andava assim, em silêncio profundo. Cada vez com uma certeza maior de que um dia não terá mais volta. Terá mergulhado em vasto segredo, em profunda quietude. Não te assustes, é um silêncio bonito. Uma serenidade pura, um sossego valioso. O mundo anda acabando, dizem. Usa então o tempo para realizar. Diminuiu o tamanho dos sonhos. Hoje eles têm um tamanho possível. Falam, é muito conformada. Incomodam-se, anda muito contente. É que existe uma vontade, um delírio. É que a cada proximidade do fim apressa-se a viver os detalhes. É que sempre são detalhes. Aqueles risos gostosos, que deveriam ser protegidos de tão preciosos. As juras tão belas quanto impossíveis. A esperança de que a vida poesia traga doçura no fim. E quiçá, aquele sonho um dia se realize. Além disso, promete não demorar mais. E também nunca mais fazer promessas.


terça-feira, 27 de março de 2012

Presságio


Salvador, minha agenda , dia 09 de março de 2012

Hoje aconteceram os fatos mais surpreendentes.
Foi um dia de dor indescritível.
Foi tudo que não acreditei que poderia acontecer.
Minha vida foi dividida hoje.

Naquele dia era um presságio. Hoje escutava alguém falar e... Epifania! A mente voltou e procurou, procurou. Encontrei! Corri e confirmei. Quatro meses separam do que era um sentido para o que provou ser uma verdade. Naquele dia a escolha foi culpa minha. Solidão absoluta que me fez escolher livremente. Talvez nem seja solidão a palavra, mas uma ruptura com o passado. Ponto final. Não tinha mais ‘e se’ com história alguma. Eu tinha todos os pontos finais e foi assustador a princípio. Agarrar-me a que, a quem? Olhei ao redor e não havia nada nem ninguém além de mim. Abracei-me compassivo e, pela primeira vez, senti-me. E então escolhi, sem pesar, e nem pedir desculpas (o maior de todos os alívios!). Libertei-me de uma época, do antes e do depois de minha vida. E embora para quem esteja perto possa nem estar aparente, (o que é facilmente explicado: todos os que estão perto advieram dos últimos 3 anos) minha vida foi dividida. Vejo enorme beleza nisso tudo hoje. Aliás, vejo uma singularidade incrível. O passado hoje é uma recordação que não dói e não me pede mais nada. Não sai de mim, mas não me prende a ele. Consciência tranqüila, coração aberto. Hoje me sigo e não me persigo. Meus limites se mostraram minhas possibilidades. Jamais seria possível relatar o que aconteceu neste período de 3 anos, mas foi o tempo que eu pedi ou que me deram. E minha determinação mostrou-se mais uma vez maior que as desculpas. Então, três anos se passaram, hoje a grande epifania piscou para mim e me trouxe um sorriso. Se é verdade que as coisas muito boas precedem coisas muito ruins, a recíproca deve ser verdadeira. Se tudo, fora de mim, está em desordem, o mundo de cabeça para baixo, as emoções todas libertinas, então eu abro meus braços e meu coração para o que está por vir. Algo muito bom deve estar para acontecer.


quarta-feira, 21 de março de 2012

Desnudo

Hoje eu sei o que é o amor e o que pode mesmo ser chamado assim. Sei diferenciar carência, solidão e outras coisas quaisquer do grande e impactante amor. Você tenta convencer, sem prova alguma, que o que eu sinto é carência momentânea, dessas que mentem e ferem. Aqui vai a novidade: o que eu sinto é amor em sua forma mais pura e ninguém que não saiba das coisas que vivi e pelas quais passei tem o direito de dizer o contrário. De desamores a desafetos, passando por violência em todos os sentidos da palavra, humilhações e puxões de tapete, passei por um rol inteiro de más experiências. E foram elas que me ensinaram a dar valor e segurar com força carinhosa o que tenho hoje em minhas mãos. Também cresci mais rápido do que deveria, já dizia meu psiquiatra. Quem dera eu fosse a criança que você imagina, eu daria qualquer coisa para voltar a ser assim, o bobinho que pensa que o amor é composto por beijos e abraços. Seria tudo mais fácil. Mas não é. O que amo não são os beijos, mas algo substrato que ainda não tem denominação. Algo como o conjunto da obra e como a obra pode me tocar profundamente – sentimento que só aqueles que passam horas em frente a uma obra de arte exposta em um museu, analisando cada linha tênue, podem entender. O que amo é o sorriso mais encantador do mundo, a mão quentinha contra a minha fria, a conversa fácil e a cumplicidade no olhar. O silêncio que nunca é constrangedor. Os momentos em que sinto que deveria congelar o tempo só para olhar para ele mais um pouco ou simplesmente porque estou onde sempre quis estar. Esses mesmos instantes em que admiro as linhas tênues da pessoa ao meu lado, que vale mais do que qualquer quadro famoso. Amo o encaixe perfeito na hora de dormir, de saltar, de chorar, de dar ou receber colo. A força mútua para atravessar problemas juntos e sem precisar de mais ninguém (pensando bem, talvez seja isso o que mais incomoda). A dedicação, as conquistas e vitórias que vi e acompanhei de perto, sempre a apenas centímetros de distância, e o sentimento de felicidade que senti por outra pessoa que não eu. A certeza nas palavras. A convicção na hora de dizer “eu te amo”. Mas, acima de tudo, o fato de que alguém conhece o máximo de mim que uma pessoa já conheceu, decorou cada cantinho escuro e, ainda assim, me ama. E confia em mim; conheço seus cantinhos escuros, inseguranças e o que sempre faltou em sua vida, coisas que outras pessoas desconhecem e nunca tiveram interesse em descobrir. E  amo mesmo assim. Ou melhor, justamente por isso.
Posso não ter terminado uma faculdade, é um ponto de fracasso totalmente presente. Mas  vou  cursar outra  e sei que, dessa vez, chegarei lá com honra e mérito. Olha só, estou até aprendendo a ser mais positivo. E não é por isso, por ainda não ter um curso superior, que sou burro para saber que carência não engloba essas coisas, nem sequer uma pontinha significativa disso. Se fosse carência, a distância me faria desistir. Porque carência não resiste e não é difícil de suprir. Mas o amor... O amor resiste e é insubstituível enquanto for mesmo amor. O amor sobrevive às adversidades e impedimentos porque tem uma força inegável. A carência não te faria sorrir ao meu lado e querer quebrar regras para estar comigo sem que eu dissesse uma palavra sequer além de “meu amor”. A pintura que você faz é tão discrepante da vida real que dá medo. A imposição é brutal e cruel, embora escondida em bases de bem. Nós dois saímos com chagas tristes dessa situação.
Sou julgado por causar lágrimas e frustrações ou até mesmo por minhas próprias lágrimas. Não se pode mais chorar, é prejudicial à saúde. Ou vergonhoso, não sei. Nunca vi nada de mal em chorar e expulsar tristezas entupidas. Que tipo de amor é esse que obriga, prende, limita e não vê o que está diante dos olhos? Um amor que impõe o fim de outro amor que, embora diferente e muito mais tardio, é tão bonito que brilha aos olhos de quem enxerga. E aos nossos também. Mais uma vez a realidade flutua muito acima da cabeça. É a tal discrepância de novo, esse estranho amor. Assim como o menino que era terrível e causava medo e hoje, de repente, virou um anjo seguro de si. Sou inseguro, nunca neguei a verdade. Mas não preciso compreender e diferenciar o que são momentos passageiros da vida porque, dessa vez, não sou um deles. Fui a vida inteira, mas não mais. Tentei de todas as formas possíveis não ser apenas isso ,aos importantes  também mas, aparentemente, o esforço foi inútil.
Meu coração pode ser um cubo mágico extremamente bagunçado, mas se quer tentar juntar as cores e tem direito a isso porque eu estou aqui, sempre de braços abertos para apontar as nuances. Todas as cores são para você, todos os tons bonitos. O negro ficou escondido em uma comporta fechada e, é verdade, as vezes reaparece, mas o dominamos até que durma de novo. Tenho problemas como todo mundo. Não preciso ficar falando sobre eles, há centenas de textos sobre cada um, totalmente admitidos. Isso, no entanto, não faz de mim um homem errado. Esperar pela perfeição é frustrante porque, lá no final, você percebe que ela não existe e que os defeitos sempre prevalecerão aos olhos de quem insiste em fechá-los para o resto. Depressão pode ser tratada, irracionalidade não.
O fato é que amo e só uma pessoa precisa acreditar nisso. E essa pessoa acredita, independente dos momentos pelos quais passa – aqueles mesmos em que estou sempre pronto a ajudar. Não vou superar nada e aprendi a detestar essa palavra cujo significo foi distorcido. Não superarei o amor nem tudo que já vivemos e muito menos o que vamos viver. Porque meu coração não é um pobre coitado carente e apaixonado; é uma massa de amor concreto e totalmente verdadeiro. . Eu não preciso de proteção infundada. Nós não precisamos de torcida para nos afastarmos, nossa bola já está no gol há quase um ano, praticamente colada na rede. Só precisamos de compreensão. E, claro, do extermínio das discrepâncias.

Ah, isso eu queria

Eu queria muita arte, muita poesia, muita música. Eu queria liberdade absoluta e responsável por si. Eu queria que todos ganhassem a vida produzindo o que gostassem de fazer. Escrever, desenhar, dançar, cantar, conversar, abraçar, amar. Ou a arte de fazer nada. Queria amor escancarado, declarado. Eu queria que a gente dormisse esperando ansiosamente acordar para começar a labuta do dia seguinte. Reclamações do tipo: ‘eu estou amando demais, nem sei mais o que fazer’. Para terminar naquela gargalhada com ironia fina. Delícia! Ah, eu queria mesmo era morar em um lugar mágico. Em um vale encantado. Ou no coração daquele moço, tanto faz. Isso eu queria. Eu queria que a gente se cumprimentasse com versos. Eu queria não que não houvesse lágrimas, mas eu queria que quando houvesse a gente se unisse abraçados e chorássemos juntos até o som ficar por si só estranho o suficiente para metamorfosear e virasse um coro de gargalhadas. Ah, isso eu queria. Eu não queria acreditar que isso fosse impossível. Eu queria era que mais gente quisesse comigo, para pelo menos ter certeza de que eu não estou sonhando sozinho, e que de alguma forma, a gente já esteja tentando.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Natural

Espontaneidade nunca é fácil. E nunca é pequena. Devo dizer que sempre optei por discrição, e essa escolha levou-me a uma profundidade solitária, distante. Acho que no final das contas, me escondi de mim o quanto pude. Tinha uma aparente liberdade, mas estava preso dentro de mim. Eu não fui livre na minha vida inteira. E talvez ainda nem seja completamente. O fato é que por dentro eu sempre me persegui. Impliquei com minhas escolhas, meus caminhos. Cismei comigo. E resolvi combater. Mostrar que eu era o que eu queria e pronto. Deu errado. Eu fui mais forte do que minha vontade, e embora ainda esteja preso, ensinei pra mim mesmo que eu não mando em mim. Assim mesmo, contradizendo tudo. Inclusive a mim! Repentinamente, sabendo o risco, mas não a dimensão, mostrei algumas coisas, partes de mim. Para pessoas, conhecidas ou não, queridas ou não. A escolha é: ou se é espontâneo, aceitando que não será possível controlar o que vão achar disso; ou terá que se esconder de todos. Não há como escolher quando, como ou com quem dá para ser autêntico. Ou a autenticidade é natural, ou não existe. Isso tem mais a ver com o que eu faço por mim, do que a opinião alheia. É um respeito próprio legítimo. É aceitar quem se é, e não lutar contra isso. Longe de sugerir um contentamento inútil. Não é estagnar, parar de crescer ou achar que não é possível ou necessário mudar. Mudamos a visão e os comportamentos todos os dias, sem que nossa essência seja corrompida. Sempre é possível mudar; mas até para isso é importante se aceitar, pisar seguro, respeitar-se mais do que qualquer outro faria por você. Mostrar o que se é realmente não é fácil. Aceitar, no entanto, é infinitamente mais raro, e difícil. Enquanto eu me preocupar em mostrar a outros, quem eu sou, e o que desejo; estarei perdendo tempo de sê-lo verdadeiramente. No dicionário, natural é sinônimo de espontâneo. Na prática também. Uma solidão não planejada me deixou livre de amarras e pedidos de desculpas. Alguma coisa do tipo: esse sou eu, simples e completamente. Eu NÃO lamento por sua interpretação ou o que vai fazer a respeito. E não sinto muito por não lamentar por isso! Além disso, não vou fazer nada para você acreditar. Eu sou isso, não tangível, definido e, de súbito, livre.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Baile de Máscaras


Qual a sua máscara deste carnaval? Resolveu sair, beber e dançar para mostrar que está bem? Resolveu ficar em casa, e louvou esta escolha, mesmo sabendo que foi imposição e não escolha? Ligou a televisão dizendo que não tinha o que fazer para disfarçar a sede do fútil? Desligou a televisão para manter o intelectualismo, mas não suporta sua própria e única companhia? Então no tempo em que vale tudo, pensar, refletir e mudar também vale? Ou não? Vamos deixar para a virada de ano que é o tempo certo, não é? Mais ou menos assim: natal é tempo de sermos falsos generosos, ano-novo é tempo de mudar, semana santa vamos brincar de religião e carnaval... Bom, se é carnaval, vamos ser inconsequentes! Seria isso? Assim, eu imagino que aqueles bailes em que a diversão maior era estar colorido e pular ao som de marchinhas tinha seu valor. Era como brincar, de verdade. E brincar é bom. Hoje a máscara é colocada ao mesmo tempo em que a vergonha roupa é tirada. Se você gosta deste novo formato de carnaval, eu respeito. Não seria mal respeitar a mim, que não gosto. Então, abre alas, que eu quero passar: o superficial não me atrai, eu gosto de intimidade. Todo mundo não importa, eu prefiro cada um. Inconsequência não! Gosto de erro/ou acerto consciente. Eu escolho o que fazer e a culpa é minha. Ora! Vou sair na avenida no dia que o coração for mais importante que o silicone em cima dele. No dia em que a alegria for genuína e nenhuma vida estiver em risco para isso. Que cada um aproveite com a máscara que escolher. Eu preferi tirar a minha. Para mim, a folia é mais gostosa assim.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Amarelo


Depois que você chegou eu gosto mais de amarelo. Sempre fui de tons mais fechados, cores sóbrias e neutras. Isso quando não assumia o branco de dias nublados. Dias brancos sempre foram meus preferidos, talvez pela melancolia das nuvens bem juntas. Mas depois que você chegou os dias amarelos ficaram mais amigos. É uma coisa mais solar, um jeito mais alegre. Você trouxe um pouco de distração, uma quase preguiça. Era o que faltava, era o recheio, o meio. Hoje acho que a claridade pode ser tão confortável quanto a sombra. Amar, mar, elo. Depois que você chegou eu gosto mais do mar, de amar. Consigo ver um pouco de amarelo no canto do sorriso, vejo melhor a luz - amarela - da lua e sinto com afeto o sol matinal me abraçar generosamente. Você aprendeu o aconchego dos meus dias brancos e eu aprendi a disposição dos teus dias amarelos - e todas as implicações das cores em nossos olhares. Sei que existem outros tons e cores, mas o que pode ser mais alegre que o amarelo?! É tudo luz, é tudo brilho. O passo anda mais solto, as mãos mais espertas e os sentimentos mais livres. Depois que você chegou eu gosto mais de amarelo. Gosto mais do mar. Gosto mais de amar. Gosto mais de você. E gosto mais de mim.

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Não me faltam,me sobram

São tantas palavras... Não me faltam, me sobram... O silêncio é pertinente e na medida exata. Para que não seja bom e/ou ruim, mas equilibrado. EQUILÍBRIO. Talvez fosse melhor reagir positiva ou negativamente a tudo. Sentir amor pode romantizar tudo. Sentir ódio pode nos instigar. E se não se torna definitivo, pode ser um bom começo. Mas atualmente não. Atualmente estou como voyeur da minha própria vida. E o silêncio é permanente, mas de onde fluem palavras. Que no seu ritmo próprio não me incomodam, nem inquietam, nem preocupam. Sou eu que estou lá sorrindo, abraçando, escrevendo; mas ausente. Bem de longe. Só observando meus dias passarem, e como a vida prossegue quando se é obrigada a encarar a realidade. Sim. Meu silêncio fala. E a mim não têm perturbado. Acautela. Consola. Abraça e acolhe. Eu sempre falei pouco. Hoje não falo nada. Não me entrego. E não é trauma. Não é medo. Nem resignação. Simplesmente sou/estou assim. Não sou falso. Nem estou vivendo um personagem. Mas, por vezes, visualizo meu passado, presente e futuro como uma terceira pessoa que narra os fatos de uma personagem que (não) criou e nem sabe o roteiro da história, então se torna indizível, o que remete ao silêncio. Estou em meu mundo subjetivo; mas não como uma forma de me iludir. Só é daqui que, embora seja obrigado a passar por todas as experiências cruéis e (des)necessárias da vida, minha essência continua intocável. Meu coração imaculado. Terão ou minhas palavras ou meus silêncios. Terão metade. E, por enquanto, é tudo que podem ter. Revoltem-se ou contentem-se. Se acharem absurdo, desprezível, ridículo ou patético, cá estará eu, observando as reações e narrando minha vida.Narrando minha vida, cada passo, cada ação, cada palavra. E silenciando, quando só os olhos podem captar a mensagem. Só o coração pode sentir a fluência das emoções e das razões. E então de nada adianta as palavras, elas puramente se tornam desnecessárias.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Por Hora

Acho até bonita esta sobriedade que tem sido alimentada. Isso é ser gente grande, então? Chega a ser bonito seus olhos tentando ter menos brilho, para ter mais sabedoria. Acho bonito começar a colocar em prática esse plano, o de não fazer planos. Mas confesso que olhando bem, o brilho continua muito forte. No entanto, mais intimista, não menos convidativo, e surpreendentemente, mais generoso. Talvez seja esse aquele amor que dissemos tanto que viria para ti. Ou talvez não. A aceitação da alternância agora também brilha nos olhos. Talvez seja adulto conseguir rir do que a pouco foi tão doloroso, mas teve seu valor. Percebo, a cada dia mais, a liberdade é o vínculo mais forte que pode existir entre os corações. ‘Há uma calma que não condiz com a nossa pressa’. Não é falta de desejo, é o compromisso com o que se quer - que vai além de quem se quer. Somos o que fazemos, não é? Só em você essa verdade me alivia. Sigo os mesmos passos e, aceito tua verdade, não há paradoxo em ser livre e estar acompanhado. Inspiro-me em Lispector e atrevo-me a dizer que o que queremos não é liberdade, o que queremos ainda não tem nome. Mas de alguma forma já está por aqui.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

...



“E quando chega essa hora da noite eu me desencanto. Viro outra vez aquilo que sou todo dia: fechada, sozinha, perdida no meu quarto, longe da roda e de tudo: uma criança assustada”. Caio Fernando Abreu

Sente aqui, vida. Vamos conversar. Tens teus direitos, és mantenedora e a única legitimidade que me permite estar aqui. Mas também devo ter os meus. E se não os tinha, eu os criarei de agora em diante. Pois já chega de brincar com os sentimentos alheios, já chega de tirar o chão quando a brincadeira está ficando boa. Não me ameace mais, por favor. Mal posso imaginar seus olhos indiferentes, frios às minhas lágrimas e meus pedidos. Não me faça acreditar que somos merecedores, nem me faça te desafiar sabendo que vou perder. Ah não, vida, não ria assim de mim. Seja benevolente, o mínimo que consiga, e me deixa conseguir um pouquinho do que preciso, e tens relutantemente me tirado. Não me deixe nesta solidão de sentimentos. Não me olhe assim! Não, não. Não vira as costas para mim. Pode me olhar, então. É preferível ao significado de total indiferença que tuas costas me trazem. Eu gosto de você. Não estou apelando, mas bem que poderia ser. Pode me levantar nos braços, tirar os meus pés do chão, mas me devolva, por favor. Não me deixa pagar pelas escolhas deles. Alivia um instante que seja. Permita-me buscar o ar e, pronto, volto para a sua brincadeira. Esta, a que desde o começo dos dias fui obrigado a brincar. Quando cansar, vida, já pode parar. Eu já quero descer.

Fim



Entendo quando é chegado o fim. Aceito o ponto final, o fechar das cortinas. Em meio aos aplausos e aos olhos inundados compreendo que a nostalgia é o que resta. Sinto um fim se aproximando. Sinto que algumas coisas já estão virando lembranças e meu olhar já denuncia despedida. Depois ouvirei rumores do quanto é possível ser insensível a perdas. Bobagem dos que não sabem virar páginas. Viro a página. Visualizo o fim. O espetáculo mergulha em solidão, no silêncio do que foi bonito e bonito, se foi.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Vasto

Ele olhava e percebia tudo passar assim, breve. Sentiu o cheiro da terra, o cheiro do sol. Podia bailar o mundo inteiro com a simplicidade estampada dos coloridos de uma alma recentemente alforriada. Tinha naquela sabedoria silenciosa certa paz, alguma ou nenhuma espera. Compreendeu após as buscas por outros que tudo foi procura desnecessária. A busca era pelo de dentro. Procurou em outros sua própria alma. Desvairo. Ainda busca, mas agora por diversão. Diverte-se nas almas alheias. Faz dos amores, recreios. Sem pecados, com encanto. Um prazer indivisível. Todos são, pois não? O sentir é solidão de cada um. Como ele que prefere os começos, ela que já escreveu o fim. Compartilham então o meio - o presente - aquele sempre ignorado. Ele não consegue fazer com que sintam o amor que divide e assim, pôr fim às dúvidas. Ele não consegue que dividam o medo que sente e assim, dêem o agrado certo. Impossível pedir que alguém sinta o mesmo. Basta que alguém esteja disposto a tomar parte. A lógica se inverte mais tarde. Ou a vida não é isso? Esses desencontros de emoções que nos levam a novas chances no futuro ou frustrações bobas no presente - o que preferirmos. Não existe nada mais tirano do que as expectativas que, inevitáveis como são, tornamos maiores do que nós mesmos, impossíveis. Alimentamos a cada dia a nossa frustração. E somos tolos o suficiente para chorarmos com susto o que plantamos cuidadosamente todo o tempo. Já diria a canção: ‘e tudo que eu criar pra mim, vai me abraçar de novo na semana que vem’. Ele estava na janela espiando a vida lá fora. O cachorro que passeava após conseguir fugir e a alegria da liberdade, imbatível. Os namorados que timidamente conversavam e a beleza dos olhares dos que se querem bem. Os adultos que passavam de carro sem tempo para ser felizes, piedade. As crianças que de cócoras colocavam a plantinha para dormir. Que de súbito em uma corrida sorriam o que alguns levam anos para sorrir. Que tinham cabelos desalinhados e dentes faltando e ainda assim, gargalhavam beleza. Ah, a pureza das respostas das crianças. Ele sentiu um alívio ao pensar que alguém ainda sabia viver. E era ele.

Profecia


"De tanto amar, agora amargo."

Cinéias Santos

Nunca mais, nunca mais, repetiu incontáveis vezes. Nunca mais confiar, nunca mais acreditar, nunca mais me permitir, repetiu inúmeras vezes. Foi em uma não permissão que a vida escancarou diante dos olhos a oportunidade tão cálida quanto sincera. Mas era tarde. Era tarde? Que pergunta era essa? Possibilidades não existiam. Ele não se permitia esta possibilidade. Pelo menos não mais. Não foi opção dele descobrir que confiar é um erro, sempre. Não foi uma opção dele aprender que o amor é lindo, mas não existe, pelo menos não para ele. Não foi opção dele que jamais conseguisse amar alguém como amara aquela mentira que criara em sua mente. Mais infame do que ser traído todas as vezes pelo seu próprio coração, era continuar dando chances a ele. Mais maculada do que sua alma, era sua esperança. Lembrou-se bem, a única coisa que conseguiu com borboletas no estômago foi náusea. Então, já bastava. Não mais acreditar, não mais esperar, não mais se permitir. Não foi opção dele que a paixão na vida dele fosse tão irônica quanto a possibilidade do eterno, uma efemeridade. Da mesma forma, não foi opção dele que o amor que ele esperava aparecesse quando ele não queria poderia acreditar. Nunca mais, nunca mais, repetiu incontáveis vezes. Mal sabia que desta vez a profecia se cumpriria.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sim



"Nosso amor, contaminado de eternidade." (Fernando Pessoa)

Por que demoraste tanto a voltar? Sem interpretações, as palavras são todas tuas. Se foram elas que te levaram, que sejam elas que te recebam. Isso é mais que um texto. É um clichê, cheio de exageros. Quebro o silêncio de anos, ‘cada coisa tem sua hora e cada hora seu cuidado’. Procuro ainda meios de preencher os espaços deixados por ti. Guardo ainda os segredos que não te contei. Guardo a importância de tua presença e o quanto de falta ela me fez. E embora eu tenha ficado sem saber onde colocar as mãos sem você, no teu retorno não tive dúvidas, meu abraço parecia te esperar a despeito do passado. Tu voltas e traz contigo as emoções todas. Assustei-me. Olhei bem. Quão suave foi reconhecer: finalmente tudo mudou, ainda bem não mudou nada! E tu, mesmo sem consentimento, foste retomando um espaço dentro de mim, com teu amor exagerado e tua disposição tão bonita. O que ficou nos deu ainda um lugar de repouso, de alívio, de porto e de partida. Obrigado pelos confetes em formas gentis de amor. Pelas declarações – silenciosas – de amor. Por todas as cores divertidas do teu verso de amor e pelo carinho que, depois de tanto tempo, derrama-se em delicadas formas. Tua pressa de se tornar algo meu me faz crer que eternidade é um dia de cada vez. Quero mais da gente, quero tuas soluções simples, tua certeza sem promessas. Quero o passado no lugar certo, quero um presente sem culpas e sem dor. Repito baixo pelos cantos que te amo, torcendo para que sintas. Anseio mais coincidências, mais respostas, outras formas de amar. Quero paz diante da possibilidade de dar a mão a alguém sem perder a liberdade. Quero até quando tiver de ser. Aproveito teu ombro como travesseiro e tua cumplicidade de companhia. Ofereço o coração como abrigo e as coisas mais simples que um amor amigo pode trazer. Faço rimas de minha saudade. E assim caminho: com você em mim. Isso é mais que um texto. É um clichê, cheio de vontade. E é o meu sim.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Reticências

Procura-se alguém que se divirta sem a indecisão do pré e o remorso do pós. Alguém que faça o que quer por escolha, e não vingança ou punição. Alguém que tenha idade para decidir e juízo para responder pelas escolhas. Alguém que se permita o novo, sempre e todos os dias. E que o novo seja o divertido, mas não necessariamente o irresponsável. Alguém que não seja inexperiente para se arrepender, nem experiente demais para desenhar qualquer fim antes do começo. Alguém que seja capaz de sintonizar o coração com o que deseja, e a custo de somente sua vida, ir à busca do que almeja. Alguém que tenha fugido do previsível e tenha conseguido se divertir sem acumular frutos de insensatezes. Mas que tenha guardado para o bem de todos e alegria geral da nação, os melhores frutos das mais tolas loucuras. Procura-se insensatos legítimos, que tenham o delírio por escolha e não consequência. Alguém que tenha descoberto que o grande mistério é não ter segredo algum. Alguém que saiba se divertir, sem culpar ninguém por isso. Alguém que entenda que liberdade permite tudo, mas também não exige depois. Procura-se alguém que queira se divertir para a vida toda, por um dia somente. Ou um pouco mais. (...)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Feliz cada dia!

Abrem-se as cortinas! As emoções saltam de lá com limpidez e alegria. Mesmo as tristes tanto saltam que acabam por divertir-se no caminho. São como que originadas pelo que se viveu nos últimos dias. Os dias mais difíceis e os melhores. As maiores dores, os maiores amores. A sapiência de saber perceber, e a sensatez de sentir. Muito, bastante, com intensidade sentir. Sentir a dor extremamente, e dar muito mais sabor a sentir o amor. Emoções que lutam por expressar nas queridas palavras a liberdade absoluta de não pedir desculpas pelo que se é, de não acalentar nenhuma dor desnecessária, de não se deixar enganar e nem privar-se de declarar sentimentos. Jamais poderia desejar o amor que tive, e nunca, jamais julguei merecer. Que grande alegria foi conhecer sem expectativas e ser surpreendido com a candura que eu procurava ardentemente. Espalhei meus beijos doces, meus afagos, minhas palavras e meu olhar. Que lição me deu quem partiu, mas me deixou mais vida. Que grandeza particular foi não ter medo de ficar só comigo mesmo. E sem grandes pretensões e nem comedimento, que maravilhoso foi apaixonar-me por mim. Estou perto, creio, de admirar-me. Foram tantos abraços, tantos segredos, tantas risadas, tantas lágrimas e tantas palavras. E eis que os passos renovam-se! Novas páginas que escreverei, novas palavras que já estão aqui, outras que virão, outras que partirão. Sinto por aí o tal aroma da vida e levo o riso feliz e satisfeito. Vejo parte de mim em outro alguém. Vejo parte de outro alguém em mim. Muitas partes, muitas almas, muitas vidas. Permito-me desejar o mesmo de todas as manhãs: que saibamos viver nossos dias, sejam eles quantos for. E que, a despeito do tudo, nem eu, nem você, nem ninguém, como diria o poeta, tire a poesia das coisas.

“A felicidade se encontra em horinhas de descuido”
Guimarães Rosa.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Da Melancolia


Fui tomado por uma saudade, uma melancolia... Senti os cheiros, especialmente. Memória olfativa sempre foi meu forte. Revi as cenas, procurei os mesmos sons. Foi ao som de flautas que a saudade apertou. Senti falta de muitas coisas: tranças, confianças, verdades. Desejei que, não o tempo, mas ela pudesse voltar. Senti saudade da essência, dos motivos, do 'no fundo, no fundo'. Saudade dos confortos. Eu sinto saudade de um espaço de poesia e música nas pessoas. É uma saudade bonita, eu acho. Quase toda saudade é muito bonita. Lembrei o tempo em que caia no sofá sussurrando Leoni em seu 'por que não eu?'. E por que não ela? De volta, agora. Cantava e doía, mas era bonito. Tem coisas assim na vida mesmo. Doem um pouco, mas conseguem ser bem bonitas. Respiro saudade. Acordo saudade e durmo saudade. Tenho certezas e repito todo dia a mesma frase, 'e eu que pensava que já tinha visto tudo'. Nunca vou conseguir ver tudo. Mas também não preciso. Hoje umas seis ou sete pessoas me bastam. Mas as outras me divertem, vá lá. Não é que eu seja constantemente otimista, mas eu tento, juro. Acontece que as vezes a nostalgia me envolve. A vida do lado de cá é diferente, com prós, contras e saudade dos dois lados. Mas também tem muito alívio. Não sinto saudades de tudo, afinal. Sinto alívio também. Lembranças a gente guarda do jeito que a gente quer. Guardo as minhas ao som de alguma música bem devagar, simples, com imagens em tons de filmes antigos. As minhas lembranças perfeitas sempre retratam abraços, sorrisos de canto de boca e mãos dadas. Coisas bonitas eu vivo e revivo, fecho os olhos, sinto o coração apertar. As outras eu vejo tão tão distantes... Continuo, felizmente, um pouco sem tempo para isso. As escolhas hoje são simples e práticas. A alma complexa é meu deleite com portas trancadas, não é a forma de agir. Meus sonhos hoje são objetivos e viscerais: quero vida. É isso. Melancolia sempre fez parte, não é novidade. Mas hoje está mais viva. Deixa-a. Sempre a guardo com delicadeza. Tenho certo para mim que delicadeza tem mais poder que a maioria das coisas. E assim está quase dando certo.