domingo, 22 de janeiro de 2012

Vasto

Ele olhava e percebia tudo passar assim, breve. Sentiu o cheiro da terra, o cheiro do sol. Podia bailar o mundo inteiro com a simplicidade estampada dos coloridos de uma alma recentemente alforriada. Tinha naquela sabedoria silenciosa certa paz, alguma ou nenhuma espera. Compreendeu após as buscas por outros que tudo foi procura desnecessária. A busca era pelo de dentro. Procurou em outros sua própria alma. Desvairo. Ainda busca, mas agora por diversão. Diverte-se nas almas alheias. Faz dos amores, recreios. Sem pecados, com encanto. Um prazer indivisível. Todos são, pois não? O sentir é solidão de cada um. Como ele que prefere os começos, ela que já escreveu o fim. Compartilham então o meio - o presente - aquele sempre ignorado. Ele não consegue fazer com que sintam o amor que divide e assim, pôr fim às dúvidas. Ele não consegue que dividam o medo que sente e assim, dêem o agrado certo. Impossível pedir que alguém sinta o mesmo. Basta que alguém esteja disposto a tomar parte. A lógica se inverte mais tarde. Ou a vida não é isso? Esses desencontros de emoções que nos levam a novas chances no futuro ou frustrações bobas no presente - o que preferirmos. Não existe nada mais tirano do que as expectativas que, inevitáveis como são, tornamos maiores do que nós mesmos, impossíveis. Alimentamos a cada dia a nossa frustração. E somos tolos o suficiente para chorarmos com susto o que plantamos cuidadosamente todo o tempo. Já diria a canção: ‘e tudo que eu criar pra mim, vai me abraçar de novo na semana que vem’. Ele estava na janela espiando a vida lá fora. O cachorro que passeava após conseguir fugir e a alegria da liberdade, imbatível. Os namorados que timidamente conversavam e a beleza dos olhares dos que se querem bem. Os adultos que passavam de carro sem tempo para ser felizes, piedade. As crianças que de cócoras colocavam a plantinha para dormir. Que de súbito em uma corrida sorriam o que alguns levam anos para sorrir. Que tinham cabelos desalinhados e dentes faltando e ainda assim, gargalhavam beleza. Ah, a pureza das respostas das crianças. Ele sentiu um alívio ao pensar que alguém ainda sabia viver. E era ele.

Profecia


"De tanto amar, agora amargo."

Cinéias Santos

Nunca mais, nunca mais, repetiu incontáveis vezes. Nunca mais confiar, nunca mais acreditar, nunca mais me permitir, repetiu inúmeras vezes. Foi em uma não permissão que a vida escancarou diante dos olhos a oportunidade tão cálida quanto sincera. Mas era tarde. Era tarde? Que pergunta era essa? Possibilidades não existiam. Ele não se permitia esta possibilidade. Pelo menos não mais. Não foi opção dele descobrir que confiar é um erro, sempre. Não foi uma opção dele aprender que o amor é lindo, mas não existe, pelo menos não para ele. Não foi opção dele que jamais conseguisse amar alguém como amara aquela mentira que criara em sua mente. Mais infame do que ser traído todas as vezes pelo seu próprio coração, era continuar dando chances a ele. Mais maculada do que sua alma, era sua esperança. Lembrou-se bem, a única coisa que conseguiu com borboletas no estômago foi náusea. Então, já bastava. Não mais acreditar, não mais esperar, não mais se permitir. Não foi opção dele que a paixão na vida dele fosse tão irônica quanto a possibilidade do eterno, uma efemeridade. Da mesma forma, não foi opção dele que o amor que ele esperava aparecesse quando ele não queria poderia acreditar. Nunca mais, nunca mais, repetiu incontáveis vezes. Mal sabia que desta vez a profecia se cumpriria.

domingo, 8 de janeiro de 2012

Sim



"Nosso amor, contaminado de eternidade." (Fernando Pessoa)

Por que demoraste tanto a voltar? Sem interpretações, as palavras são todas tuas. Se foram elas que te levaram, que sejam elas que te recebam. Isso é mais que um texto. É um clichê, cheio de exageros. Quebro o silêncio de anos, ‘cada coisa tem sua hora e cada hora seu cuidado’. Procuro ainda meios de preencher os espaços deixados por ti. Guardo ainda os segredos que não te contei. Guardo a importância de tua presença e o quanto de falta ela me fez. E embora eu tenha ficado sem saber onde colocar as mãos sem você, no teu retorno não tive dúvidas, meu abraço parecia te esperar a despeito do passado. Tu voltas e traz contigo as emoções todas. Assustei-me. Olhei bem. Quão suave foi reconhecer: finalmente tudo mudou, ainda bem não mudou nada! E tu, mesmo sem consentimento, foste retomando um espaço dentro de mim, com teu amor exagerado e tua disposição tão bonita. O que ficou nos deu ainda um lugar de repouso, de alívio, de porto e de partida. Obrigado pelos confetes em formas gentis de amor. Pelas declarações – silenciosas – de amor. Por todas as cores divertidas do teu verso de amor e pelo carinho que, depois de tanto tempo, derrama-se em delicadas formas. Tua pressa de se tornar algo meu me faz crer que eternidade é um dia de cada vez. Quero mais da gente, quero tuas soluções simples, tua certeza sem promessas. Quero o passado no lugar certo, quero um presente sem culpas e sem dor. Repito baixo pelos cantos que te amo, torcendo para que sintas. Anseio mais coincidências, mais respostas, outras formas de amar. Quero paz diante da possibilidade de dar a mão a alguém sem perder a liberdade. Quero até quando tiver de ser. Aproveito teu ombro como travesseiro e tua cumplicidade de companhia. Ofereço o coração como abrigo e as coisas mais simples que um amor amigo pode trazer. Faço rimas de minha saudade. E assim caminho: com você em mim. Isso é mais que um texto. É um clichê, cheio de vontade. E é o meu sim.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Reticências

Procura-se alguém que se divirta sem a indecisão do pré e o remorso do pós. Alguém que faça o que quer por escolha, e não vingança ou punição. Alguém que tenha idade para decidir e juízo para responder pelas escolhas. Alguém que se permita o novo, sempre e todos os dias. E que o novo seja o divertido, mas não necessariamente o irresponsável. Alguém que não seja inexperiente para se arrepender, nem experiente demais para desenhar qualquer fim antes do começo. Alguém que seja capaz de sintonizar o coração com o que deseja, e a custo de somente sua vida, ir à busca do que almeja. Alguém que tenha fugido do previsível e tenha conseguido se divertir sem acumular frutos de insensatezes. Mas que tenha guardado para o bem de todos e alegria geral da nação, os melhores frutos das mais tolas loucuras. Procura-se insensatos legítimos, que tenham o delírio por escolha e não consequência. Alguém que tenha descoberto que o grande mistério é não ter segredo algum. Alguém que saiba se divertir, sem culpar ninguém por isso. Alguém que entenda que liberdade permite tudo, mas também não exige depois. Procura-se alguém que queira se divertir para a vida toda, por um dia somente. Ou um pouco mais. (...)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Feliz cada dia!

Abrem-se as cortinas! As emoções saltam de lá com limpidez e alegria. Mesmo as tristes tanto saltam que acabam por divertir-se no caminho. São como que originadas pelo que se viveu nos últimos dias. Os dias mais difíceis e os melhores. As maiores dores, os maiores amores. A sapiência de saber perceber, e a sensatez de sentir. Muito, bastante, com intensidade sentir. Sentir a dor extremamente, e dar muito mais sabor a sentir o amor. Emoções que lutam por expressar nas queridas palavras a liberdade absoluta de não pedir desculpas pelo que se é, de não acalentar nenhuma dor desnecessária, de não se deixar enganar e nem privar-se de declarar sentimentos. Jamais poderia desejar o amor que tive, e nunca, jamais julguei merecer. Que grande alegria foi conhecer sem expectativas e ser surpreendido com a candura que eu procurava ardentemente. Espalhei meus beijos doces, meus afagos, minhas palavras e meu olhar. Que lição me deu quem partiu, mas me deixou mais vida. Que grandeza particular foi não ter medo de ficar só comigo mesmo. E sem grandes pretensões e nem comedimento, que maravilhoso foi apaixonar-me por mim. Estou perto, creio, de admirar-me. Foram tantos abraços, tantos segredos, tantas risadas, tantas lágrimas e tantas palavras. E eis que os passos renovam-se! Novas páginas que escreverei, novas palavras que já estão aqui, outras que virão, outras que partirão. Sinto por aí o tal aroma da vida e levo o riso feliz e satisfeito. Vejo parte de mim em outro alguém. Vejo parte de outro alguém em mim. Muitas partes, muitas almas, muitas vidas. Permito-me desejar o mesmo de todas as manhãs: que saibamos viver nossos dias, sejam eles quantos for. E que, a despeito do tudo, nem eu, nem você, nem ninguém, como diria o poeta, tire a poesia das coisas.

“A felicidade se encontra em horinhas de descuido”
Guimarães Rosa.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Da Melancolia


Fui tomado por uma saudade, uma melancolia... Senti os cheiros, especialmente. Memória olfativa sempre foi meu forte. Revi as cenas, procurei os mesmos sons. Foi ao som de flautas que a saudade apertou. Senti falta de muitas coisas: tranças, confianças, verdades. Desejei que, não o tempo, mas ela pudesse voltar. Senti saudade da essência, dos motivos, do 'no fundo, no fundo'. Saudade dos confortos. Eu sinto saudade de um espaço de poesia e música nas pessoas. É uma saudade bonita, eu acho. Quase toda saudade é muito bonita. Lembrei o tempo em que caia no sofá sussurrando Leoni em seu 'por que não eu?'. E por que não ela? De volta, agora. Cantava e doía, mas era bonito. Tem coisas assim na vida mesmo. Doem um pouco, mas conseguem ser bem bonitas. Respiro saudade. Acordo saudade e durmo saudade. Tenho certezas e repito todo dia a mesma frase, 'e eu que pensava que já tinha visto tudo'. Nunca vou conseguir ver tudo. Mas também não preciso. Hoje umas seis ou sete pessoas me bastam. Mas as outras me divertem, vá lá. Não é que eu seja constantemente otimista, mas eu tento, juro. Acontece que as vezes a nostalgia me envolve. A vida do lado de cá é diferente, com prós, contras e saudade dos dois lados. Mas também tem muito alívio. Não sinto saudades de tudo, afinal. Sinto alívio também. Lembranças a gente guarda do jeito que a gente quer. Guardo as minhas ao som de alguma música bem devagar, simples, com imagens em tons de filmes antigos. As minhas lembranças perfeitas sempre retratam abraços, sorrisos de canto de boca e mãos dadas. Coisas bonitas eu vivo e revivo, fecho os olhos, sinto o coração apertar. As outras eu vejo tão tão distantes... Continuo, felizmente, um pouco sem tempo para isso. As escolhas hoje são simples e práticas. A alma complexa é meu deleite com portas trancadas, não é a forma de agir. Meus sonhos hoje são objetivos e viscerais: quero vida. É isso. Melancolia sempre fez parte, não é novidade. Mas hoje está mais viva. Deixa-a. Sempre a guardo com delicadeza. Tenho certo para mim que delicadeza tem mais poder que a maioria das coisas. E assim está quase dando certo.