sábado, 9 de julho de 2011

Conquistar um garoto



"Ive Brussel", do Jorge Ben Jor. Não vai existir uma única vez que eu escute essa música e não pense nela. Ela, no caso, é a menina que me conquistou certa feita, do mesmo jeito que a Ive dominou o coração do sátiro pai do sambalanço. A moça em foco serve de parâmetro para todas que se encontram na agonia de inverter os papéis e despertar a paixão num garoto distraído.

Como disse, eu andava distraído, com a vontade ocupada por uma lá com peitos circundantemente divertidos e um shortinho de brim claro que contrastava com a coxa morena e roliça tanto quanto o ébano contrapõe o marfim nas teclas do piano. E isso entrete os hormônios e nos desvia de qualquer mulher bacana, não tem jeito. As glândulas não insubordináveis ao coração.

Eu a via como amigona, até a cumprimentava com "Hi-Fi". Na visão de seus olhos egípcios e venerantes eu era seu baldinho de praia, e sem mim vivia a vida feito pá furada. Mas topou o rali. Encasquetou que me queria e mulher quando quer um troço sai atrás com as ventas fumacentas. Lição 1: confiou no taco próprio; lição 2: fugiu do padrão; lição 3: comeu quieta. Já ouviu falar que quem come quieto, come duas vezes? Pois é. Lição 4: provou de A a Z que era única no meio do cardume de sereias decotadas da turma.

Ao longo de nossas jovens noites de sábado se aproximou, demonstrando sua atenção pelos meus diretores de cinema favoritos, as bandas extintas que eu jamais poria os olhos num palco, os arrebiques que eu admirava numa mulher. Movimentos sensuais? Poses fotogênicas? Placa de mais desejada da moçada? Nem perto. Feito uma raposa, identificou que eu precisava mesmo é de cuidado. "Não saia sem casaco", "não beba se dirigir", "deixa eu ajeitar essa gola". Eu dava aval e ficava meditabundo.

Ela já tinha os olhos roucos de tanto gritar a fim de ficar comigo. Numa noite de olhos brilhantes feito luz da lua, não se sabia quem emanava mais medo: ela ou eu. Ciente de que as tentações podem não voltar no outro dia depois das resistências, deixei "Ive Brussel" sambalançar na cabeça e vazar as veias, irrigando o coração. Avizinhei meu tom de voz na orelha enfeitada com uma flor branca e exagerada e versejei:

"Você com essa mania sensual de sentir e me olhar / Você com esse seu jeito contagiante, fiel e sutil de lutar / Não sei não, assim você acaba me conquistando / Não sei não, assim eu acabo me entregando"

Me fixou as pupilas que pareciam amuletos negros de amor enumerando os pontos em comum de nossas almas. Com o corpo inteiro voltado pra mim, embrenhou-me a mão nos cabelos posteriores e contou algo no ouvido com voz lascivamente infantil: "I wanna be yours tonight". E foi. E seguiu sendo minha tempos depois, quando eu ainda cantarolava:

"Pois está fazendo um ano e meio, amor / Que eu estive por aqui / Desconfiado, sem jeito e quase calado / Quando fui bem recebido e desejado por você / Nunca como eu poderia esquecer amor..."

Foi assim.

3 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Que bom que podemos ter acesso a suas reflexões. Gostei do texto!Ele está bem escrito e sua narrativa nos permite visualizar algumas situações descritas no texto.

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