domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre ensinar e aprender

Ela tentou ensiná-lo. Conversou, explicou detalhadamente. Mas ele pareceu não entender. Ela não acreditava que ele não pudesse entender. Ela chamou a atenção, argumentou, fez sinais, encenações, comparações. Tentou convencê-lo a se salvar. Ele não demonstrou preocupação. Ela não aceitava que ele não quisesse ser salvo. Ela gritou, se desesperou, esperneou, chorou, clamou. Ele ignorou. Ela propôs ajudar, ficar ao lado. Ele não aceitou. Ela insistiu, cansou, recuperou as forças, insistiu, insistiu, insistiu. Fez desenhos, mapas, pinturas. Queria que ele conseguisse enxergar o óbvio. Queria que ele aceitasse o óbvio. Queria que ele desejasse o óbvio - ser salvo. Queria que ele quisesse viver. Ele não quis. Ela tentou mais uma vez (era insistente, talvez teimosa). Então fez chantagem, apelou, jogou baixo - queria comovê-lo. Ele não deu atenção. Não importava o quanto ela quisesse, ele não queria. Ela sentiu muito, sofreu, se culpou, se perdoou, aprendeu. Demorou, mas ela aprendeu. Ela aceitou a vontade dele. Ela entendeu que aceitar não é desistir – é aceitar. Ele via desde o princípio, ele entendia, ele sabia. Mas ele não queria. Por fim, ela aprendeu: não se pode ensinar quem não quer aprender. Não se pode salvar quem não quer ser salvo.

sábado, 15 de setembro de 2012

Possível

Já era noite  quando você me ligou. Eu caminhava apressadamente para casa quando o telefone tocou. Assim que escutei sua voz sabia que alguma coisa diferente acontecia. E me preparei para nossas simplíssimas conversas filosóficas. Como podemos ser tão profundos e tão simples? A intensidade não nos pesa. Pelo menos, não entre nós. Você começa a conversa com a naturalidade da rotina:
- O meu celular está descarregando, então se a ligação cair depois a gente continua a conversa.
-Você não quer me ligar mais tarde?
- Quero, quero sim. Mas eu só queria saber uma coisa antes da ligação cair.
E eu agucei todos os meus sentidos para escutá-lo. Meus ouvidos se abriram para o seu coração aflito e eu estava disposto a, além de ouvir a pergunta, saber a resposta.

- Pode perguntar.

- O amor é possível? (…)


Eu ri um riso de compreensão. Na verdade a pergunta não era nem essa , quem liga num dia comum, no meio da rotina sem graça dos adultos e lança tal pergunta? Você não quis saber de emprego ou de fofocas. Você tinha pouco tempo e uma dúvida só: o amor é possível?

Senti certa culpa por não ter te respondido antes que perguntasse, eu precisava ter contato. Mas nunca é tarde e com a mesma naturalidade eu te dou a minha resposta:

- Sim, é possível.

E completo:

- É possível, mas eu não sei o caminho até ele.

Não sei o caminho, pois ele surgiu para mim como crianças desaparecem aos nossos olhos – sorrateiramente. Não consegui saber de onde veio. Expliquei logo para não lhe dar falsas expectativas. Mas isso não importava naquele momento. Saber que era possível bastava.

A questão não era se o amor existia, ele existe - você sabe, eu sei, nós sabemos. O que você queria saber era se outro tipo de amor existia. Se é possível amar a mesma pessoa com quem queremos dividir o corpo e a alma. Ou mais, se é possível ser amado por essa pessoa. É possível. O ser amado existe, em todos os sentidos. Suspiro de alívio. Confesso, tive tanto medo de isso ser invenção, sabe? Assim como você tem. E não, não existe ilusão nessa afirmação. É possível na realidade, no presente, na rotina, nos desencontros e nas diferenças. Se é eterno? Sobre futuro não sei dizer. Sobre eternidade eu não sei nada. Daqui a muitos anos terei essa resposta. Ou não.

Então você acredita aliviado em saber que não está esperando o impossível. Você acredita porque eu acredito. E eu espero o teu amor como se fosse para mim, com dúvidas e esperanças. Mas, sobretudo com o cuidado de estar atento para não deixá-lo passar e com a distração de estar leve para não deixá-lo pesar. Amar é coisa rara. Ser amado é mais raro ainda. Nossa busca não chegou ao fim, continuamos os mesmos.

Você desligou o telefone e seguimos nossas vidas. Você levou um pouco de esperança e me devolveu um pouco de busca. Estamos no mesmo caminho. É da estrada que precisamos.

domingo, 19 de agosto de 2012

Eu não explico



Para Vida

Gosto de datas. Há dias que pareciam ser insignificantes, mas depois ganharam cor e brilho. Vida! Hoje dentro de mim há festa pra comemorar o encontro, a presença, o afeto! Tem coisa que é só nossa. Certa sintonia entre as pessoas que só elas compreendem e só elas sabem o que de fato acontece. Sempre haverá pessoas que se diferem. Em afinidades, gostos, pensamentos... Ou em nada disso, mas mesmo assim são diferentemente especiais de alguma forma. Nesse caso, pra mim não foi alguém que eu conheci, mas alguém que eu encontrei. Porque a impressão que tenho é que já estava aqui, já estava presente, de alguma forma. Diria que em outra vida se acreditasse nisso. Diria que foi o destino se também acreditasse nisso. Então baseado no que acredito digo que não foi acaso e há um propósito em tudo isso. Uma admiração fidedigna, respeito verdadeiro, harmonia e carinho recíprocos. Gostaria de encontrar um nome que explicasse tudo isso, mas não consigo. Não é possível rotular o meu quer. E acho até que se tivesse um nome não o diria. É algo íntimo e cúmplice que ninguém entenderia, além de nós mesmos. Como se somente nós percebemos, e sabe - e sente - que o que existe é grande. Muito grande. (Ida e volta!),muito além de um sanduiche na rua, na chuva e além de  meus pensamentos em casa , nos meus livros. E pra não dizer que não falei das flores: “declaro seu, e somente seu, e por culpa sua, todo o carinho que conquistou”.

Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida.

- Carlos Drummond de Andrade -

Você Sabe?

Sabe assim quando uma pessoa diz que você mora no coração dela e você acredita?! Sabe assim quando alguém diz que gosta de você e você sente isso?! Sabe quando uma pessoa diz que você pode contar com ela e você sabe que é verdade?! Sabe quando alguém te ama de graça e você não consegue entender?! Sabe quando alguém diz que te quer bem e - a que distância for - você não tem dúvidas que seja verdade?! Sabe assim quando alguém faz a cada dia você ter certeza de que não precisava de mais nada, porque já teria valido a pena?! Você sabe?!Eu sei.

sábado, 11 de agosto de 2012

A vizinha

Ela entrou com a altivez do passado. Sentou elegantemente, cruzou as pernas finas. Usava um modelo que marcava a cintura, raridade para quem já passou dos sessenta. Conversou sobre negócios, fofocou graciosamente por alguns instantes e então começou a narrar o passado de glória. Estilista famosa, ela vestia a nata da sociedade da terra da luz. ‘Eram pessoas mais ou menos’, repetiu algumas vezes. O riso claro no canto da boca denunciava a falsa modéstia. ‘Era um tempo de muito luxo’, gabava-se. E além de desenhar, desfilava. Arrumou o corpo esguio na cadeira enquanto me contava isso, fez pose de modelo. Não duvidei. ‘Recebi convites, minha vida poderia ser diferente’; desabafou sorrateiramente. Repentinamente deixou escapar um desalento: ‘eu tive medo, muito medo. Mas não me arrependo’, emendou. Eu entendi. Não podia deixar-se julgar a essa altura da vida. Precisava acreditar que não tinha culpa pelo futuro que escolheu. No passado era bonita, importante e sabida demais para priorizar qualquer coisa além de sua brilhante carreira. Hoje a beleza se foi sem deixar resquícios. Ai, a frivolidade. O luxo passou, o sucesso acabou. Mas ainda tem lembranças e enaltece os gestos do passado. Solta vez ou outra um ‘infelizmente’, que disfarça com um sorriso rápido. ‘Quanta lembrança bonita a senhora tem’, falei sem inveja. Ela adorou. Invejou-se profundamente. Sorri levemente. Despediu-se, colocou as mãos na cintura e foi embora desfilando. Desceu a escada alinhadamente rumo a vida que escolheu naquele lugar estável, bonito e possível: o passado.

sábado, 28 de julho de 2012

O que seria um bom dia cheio de cores, sabores e texturas, soa como um gesto de educação, que é dispensável quando causa mais dor que encanto. Era correr para o abraço, se jogar nas emoções e não ter limites para a entrega. Sem o menor sinal disto, transforma-se num aperto de mãos, tão inútil quanto álgido. Era a alegria, que levava letras e risos em cada declaração. Restou o silêncio, que nem sabia existir. Era o indisfarçável. Vira o sem luz. Era o palpitar do coração, que se transforma na distância incalculável de alguns passos. Era o eterno que – não se sabia – pode ter um fim.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Começo

Salvador, 23 de Julho de 2012 entre 12:00 e 14:00

Estava inebriado. Cambaleavam todas as loucuras sonhadas. Estava em sonhos. Eram possíveis. Fazia de seu presente, lembrança. Fazia das lembranças, presentes. Seguia entre sonho e realidade. Brincava, obedecendo ao poeta. ‘Um dia serei feliz? Sim, mas não há de ser já: A Eternidade está longe, brinca de tempo-será.’ Brincava com a astúcia de quem conhece a dor, de quem sabe que tudo que a gente quer passa. Que esperar é quase sinônimo de superação. E que amor e liberdade são sinônimos, fora do dicionário. Que o único alívio é um carinho. Que existem tragédias, romances, drama, comédia, mas nada disso de forma independente. Que somos tantas faces, que somos tão possíveis. Que não há ninguém que nos impeça e nos permita mais do que nós mesmos. Que qualquer coisa só nos magoa uma vez de surpresa, o resto é escolha. Que qualquer silêncio é melhor que uma palavra doída. E que nenhuma palavra é melhor que um abraço bonito. Que quem fala de amor carrega mais esperança que certezas. E que utopia é acreditar que amor é ilusão e mesmo assim se pode ser feliz. Que as únicas coisas de que se necessita são indissociáveis do corpo. E nenhuma pessoa, nenhum lugar ou nenhuma situação pode ser escape para um coração em desespero. Sabia que todo dia a esperança se renovava, mas ver nos olhos, no clima e nas roupas de todos que a esperança transbordava neste dia exato, pintava a alma de branco e trazia a sensação de que agora sim, agora a gente podia começar outra vez.

Pequeno delírio em meu horário de almoço.