domingo, 19 de agosto de 2012

Eu não explico



Para Vida

Gosto de datas. Há dias que pareciam ser insignificantes, mas depois ganharam cor e brilho. Vida! Hoje dentro de mim há festa pra comemorar o encontro, a presença, o afeto! Tem coisa que é só nossa. Certa sintonia entre as pessoas que só elas compreendem e só elas sabem o que de fato acontece. Sempre haverá pessoas que se diferem. Em afinidades, gostos, pensamentos... Ou em nada disso, mas mesmo assim são diferentemente especiais de alguma forma. Nesse caso, pra mim não foi alguém que eu conheci, mas alguém que eu encontrei. Porque a impressão que tenho é que já estava aqui, já estava presente, de alguma forma. Diria que em outra vida se acreditasse nisso. Diria que foi o destino se também acreditasse nisso. Então baseado no que acredito digo que não foi acaso e há um propósito em tudo isso. Uma admiração fidedigna, respeito verdadeiro, harmonia e carinho recíprocos. Gostaria de encontrar um nome que explicasse tudo isso, mas não consigo. Não é possível rotular o meu quer. E acho até que se tivesse um nome não o diria. É algo íntimo e cúmplice que ninguém entenderia, além de nós mesmos. Como se somente nós percebemos, e sabe - e sente - que o que existe é grande. Muito grande. (Ida e volta!),muito além de um sanduiche na rua, na chuva e além de  meus pensamentos em casa , nos meus livros. E pra não dizer que não falei das flores: “declaro seu, e somente seu, e por culpa sua, todo o carinho que conquistou”.

Se procurar bem você acaba encontrando. Não a explicação (duvidosa) da vida, mas a poesia (inexplicável) da vida.

- Carlos Drummond de Andrade -

Você Sabe?

Sabe assim quando uma pessoa diz que você mora no coração dela e você acredita?! Sabe assim quando alguém diz que gosta de você e você sente isso?! Sabe quando uma pessoa diz que você pode contar com ela e você sabe que é verdade?! Sabe quando alguém te ama de graça e você não consegue entender?! Sabe quando alguém diz que te quer bem e - a que distância for - você não tem dúvidas que seja verdade?! Sabe assim quando alguém faz a cada dia você ter certeza de que não precisava de mais nada, porque já teria valido a pena?! Você sabe?!Eu sei.

sábado, 11 de agosto de 2012

A vizinha

Ela entrou com a altivez do passado. Sentou elegantemente, cruzou as pernas finas. Usava um modelo que marcava a cintura, raridade para quem já passou dos sessenta. Conversou sobre negócios, fofocou graciosamente por alguns instantes e então começou a narrar o passado de glória. Estilista famosa, ela vestia a nata da sociedade da terra da luz. ‘Eram pessoas mais ou menos’, repetiu algumas vezes. O riso claro no canto da boca denunciava a falsa modéstia. ‘Era um tempo de muito luxo’, gabava-se. E além de desenhar, desfilava. Arrumou o corpo esguio na cadeira enquanto me contava isso, fez pose de modelo. Não duvidei. ‘Recebi convites, minha vida poderia ser diferente’; desabafou sorrateiramente. Repentinamente deixou escapar um desalento: ‘eu tive medo, muito medo. Mas não me arrependo’, emendou. Eu entendi. Não podia deixar-se julgar a essa altura da vida. Precisava acreditar que não tinha culpa pelo futuro que escolheu. No passado era bonita, importante e sabida demais para priorizar qualquer coisa além de sua brilhante carreira. Hoje a beleza se foi sem deixar resquícios. Ai, a frivolidade. O luxo passou, o sucesso acabou. Mas ainda tem lembranças e enaltece os gestos do passado. Solta vez ou outra um ‘infelizmente’, que disfarça com um sorriso rápido. ‘Quanta lembrança bonita a senhora tem’, falei sem inveja. Ela adorou. Invejou-se profundamente. Sorri levemente. Despediu-se, colocou as mãos na cintura e foi embora desfilando. Desceu a escada alinhadamente rumo a vida que escolheu naquele lugar estável, bonito e possível: o passado.

sábado, 28 de julho de 2012

O que seria um bom dia cheio de cores, sabores e texturas, soa como um gesto de educação, que é dispensável quando causa mais dor que encanto. Era correr para o abraço, se jogar nas emoções e não ter limites para a entrega. Sem o menor sinal disto, transforma-se num aperto de mãos, tão inútil quanto álgido. Era a alegria, que levava letras e risos em cada declaração. Restou o silêncio, que nem sabia existir. Era o indisfarçável. Vira o sem luz. Era o palpitar do coração, que se transforma na distância incalculável de alguns passos. Era o eterno que – não se sabia – pode ter um fim.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Começo

Salvador, 23 de Julho de 2012 entre 12:00 e 14:00

Estava inebriado. Cambaleavam todas as loucuras sonhadas. Estava em sonhos. Eram possíveis. Fazia de seu presente, lembrança. Fazia das lembranças, presentes. Seguia entre sonho e realidade. Brincava, obedecendo ao poeta. ‘Um dia serei feliz? Sim, mas não há de ser já: A Eternidade está longe, brinca de tempo-será.’ Brincava com a astúcia de quem conhece a dor, de quem sabe que tudo que a gente quer passa. Que esperar é quase sinônimo de superação. E que amor e liberdade são sinônimos, fora do dicionário. Que o único alívio é um carinho. Que existem tragédias, romances, drama, comédia, mas nada disso de forma independente. Que somos tantas faces, que somos tão possíveis. Que não há ninguém que nos impeça e nos permita mais do que nós mesmos. Que qualquer coisa só nos magoa uma vez de surpresa, o resto é escolha. Que qualquer silêncio é melhor que uma palavra doída. E que nenhuma palavra é melhor que um abraço bonito. Que quem fala de amor carrega mais esperança que certezas. E que utopia é acreditar que amor é ilusão e mesmo assim se pode ser feliz. Que as únicas coisas de que se necessita são indissociáveis do corpo. E nenhuma pessoa, nenhum lugar ou nenhuma situação pode ser escape para um coração em desespero. Sabia que todo dia a esperança se renovava, mas ver nos olhos, no clima e nas roupas de todos que a esperança transbordava neste dia exato, pintava a alma de branco e trazia a sensação de que agora sim, agora a gente podia começar outra vez.

Pequeno delírio em meu horário de almoço.


terça-feira, 17 de julho de 2012

A porta


Fulge escuridão. Um medo disfarçado bate à porta. Insiste, insiste. Ela não pode abrir. Não há compaixão que supere o medo. A melancolia acorda, invade com o morno sorriso do que - já passado - não a abandona. Pela janela vê a esperança, cabelos ao vento. Já vai distante. Esperança e passado não se acertam. Quando ele sair daqui, pois sim, ela volta. O sol alto... Cá a escuridão brilha.

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta.

(E agora, José? – Drummond)

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Esperem

Qualquer dia desses, ao sair do sol em sua beleza insuperável, não estarei mais aqui. Preciso sair deste lugar onde me encontro. Por vezes sinto vacilar as pernas no real, tanto quanto no pesadelo desta noite. Já não suporto a ausência de sustos diante das perfídias desta vida. Preciso resgatar aquela indignação típica de corações imaculados. Ah, eu não sei jogar. Os joguinhos a que somos obrigados a jogar não me atraem, e quando me obrigo, eu perco sempre. E não é ruim perder sempre, mas não saber jogar nunca. Não sei se vou buscar aprender a jogar ou a não me obrigar a isso em hipótese alguma. Prometo que na primeira oportunidade que tiver mando um recado por um pombo, um sinal de fumaça, ou um telegrama. Sentirei falta de tudo que fizemos e, principalmente, do que não fizemos. Não sei para onde vou. Na verdade, não tenho destino, nem opções. Mas eu quero sair daqui. Se perguntasse ao gato, a resposta seria aquela certeira: Então, pouco importa o caminho que você tome. E ele tem razão, sabemos. Então sem saber o que quero, embora saiba que quero muito, vou buscar por saber o que não quero. Preciso ir para não perder-me. Para não perder-me de mim mesmo. Voltarei quando o riso estiver sem pecados e os pecados sem culpas. Contradição? A própria. Na volta vou bater palmas na porta e correr ao abraço que já está ensaiado. E quando eu for, esperem minha volta, em qualquer tarde branca, em qualquer dia escolhido para nós.