domingo, 10 de março de 2013

in-finitude

Há um lado do "até quando" que me conforta:
nossa capacidade de repetir erros e acertos,
com uma fé tamanha, que acabamos surpreendidos
ao constatar que pouca coisa muda,
mas seguimos na roda, a repetir erros e acertos.

Há, na forma como vemos a vida, uma infinitude irreal,
uma irresponsabilidade perante nós mesmos.

Há um "por que" despercebido, subjulgado;

Há um "prá onde" desorientado;

Mas, felizmente, há um "com quem"
que empresta sentido a todo o resto,
que faz doce,
que faz reto,
que faz direto.
Ah! Esse modo mágico, provisório e delicado
que a vida tem de passar por nós
como se nos levasse junto...
mas ficamos.

Fala coração!!



É melhor ir devagar. Ela disse.

Em seu coração o desejo de ser desobedecida: não sejas devagar, seja imediato. Entra sem pedir licença, queima tudo que ainda dói com a simples luz de tua entrada, não faz perguntas, não tenha cautela. Abre teu espaço e ocupa o que quiser. Ocupa-me. Não me dá opções, não me deixe ser prudente. Não me deixe ponderar, nem discursar sobre o que aprendi. Não aprendi ainda, ensina-me. Rápido, não me permita pesar. Há uma urgência de você.

Mas o coração dela não falava.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Vamos rir


Ai, dor doída, vamos rir. Vamos rir dessas mazelas infindas, sem trégua, sem paz. Cínica ou tristemente, vamos rir. Riso solto, de quem está sendo feito de bobo pela vida, e consente. Como uma forma piedosa de fazer bem a quem jura estar fazendo mal. A ela que por vezes deseja nos fazer de palhaços e coloca em nós o mais vermelho nariz, que acaba por roubar nossos próprios risos diante do espelho. Aquele riso desconsolado, lamurioso. Mas persistente. Entre o riso e as lágrimas, escolho os dois. Simultaneamente.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Cena Final

Pela primeira vez subiu a escada com passos alados - uma dança bem leve. Leve como se sente pela primeira vez por estar perto de si. Por completar-se, e ter finalmente percebido isso. Finalmente. É... Certamente essa seria a cena final do filme. Um caminhar altaneiro, o coração sintonizado com o próprio. Então aquele sutil caminhar ritmado, mais do que com a música que ouve, com o coração que sente e vive. Gratidão pelo que a vida tem trazido de bom e ruim, mas tem trazido. Gratidão pelas dores que tem dado a real dimensão do valor das alegrias. Gratidão pela vida e saúde, sua e dos seus queridos. Gratidão pelo que não deu certo, e pelo que deu. Gratidão, gratidão. Gratidão. Sozinha. Sim, sozinha. Aprendendo como nunca, amando como sempre. Coração aberto, para as pessoas, o carinho, as verdades. Aprendendo/ensinando a simplicidade do amor puro, sincero. Verdadeiro. Quanto amor pela verdade. O sentimento de fim: valeu à pena. O sentimento de começo: sempre valerá.

“Ele estava só. Estava abandonado, feliz, perto do selvagem coração da vida.”

-James Joyce- (Clarice Lispector - Perto do Coração Selvagem)

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Leve

Despeço-me com o semblante tranquilo. Se voltar, tudo bem. Se não voltar, tudo bem. Aceito a transitoriedade de forma natural. Fui inteiro, não tenho pendências. Se voltar a gente não continua de onde parou, a gente começa de novo. Em minha vida aceitar os fins foi um alívio. Sem culpa a gente caminha mais leve. Com a consciência em paz a vida flui com mais sabor. A saudade fica, traz riso fora de contexto e torna o passado mais bonito. Mas às vezes as pessoas devem ficar no passado mesmo, porque o presente mudaria tudo. Tem aquele amigo que é especial porque ficou no lugar que deveria ficar. A vida passa, as pessoas também. É simples – pode doer um pouco - mas eu aceito. Às vezes a saudade dói mais, às vezes menos. Mas ela se ajeita. Existem pessoas que, ainda bem, são para sempre. Mas existem outras que, ainda bem, se vão. Não precisa ser uma tragédia. A vida segue. E é por isso que temos de ser tão atentos ao hoje. O equilíbrio entre a melancolia do passado e a ansiedade do futuro é um presente bem vivido. Se não é do jeito que a gente queria, mesmo assim a gente pode ter momentos de alegria. E são esses que precisamos viver com o sentimento de despedida, com a convicção de que - por menores que sejam - não voltarão. E se a gente sabe que não tem outra chance a gente costuma aproveitar melhor a que tem. O que vivemos está relacionado com o nosso olhar. E se nosso olhar muda, tudo muda: o lugar, as condições, os motivos, as pessoas. Aceitar o passado enquanto passado é um conforto. Ele não me persegue, não me atormenta, não me pede nada. Assim caminho sem sombras. São somente lembranças. E lembranças são pensamentos distantes - a gente se diverte ou se lamenta - nada mais que isso. Sou conformado ou astuto, não sei. Mas isso me faz leve. E leveza é, de longe, o maior desejo dos últimos tempos.  

domingo, 23 de setembro de 2012

Sobre ensinar e aprender

Ela tentou ensiná-lo. Conversou, explicou detalhadamente. Mas ele pareceu não entender. Ela não acreditava que ele não pudesse entender. Ela chamou a atenção, argumentou, fez sinais, encenações, comparações. Tentou convencê-lo a se salvar. Ele não demonstrou preocupação. Ela não aceitava que ele não quisesse ser salvo. Ela gritou, se desesperou, esperneou, chorou, clamou. Ele ignorou. Ela propôs ajudar, ficar ao lado. Ele não aceitou. Ela insistiu, cansou, recuperou as forças, insistiu, insistiu, insistiu. Fez desenhos, mapas, pinturas. Queria que ele conseguisse enxergar o óbvio. Queria que ele aceitasse o óbvio. Queria que ele desejasse o óbvio - ser salvo. Queria que ele quisesse viver. Ele não quis. Ela tentou mais uma vez (era insistente, talvez teimosa). Então fez chantagem, apelou, jogou baixo - queria comovê-lo. Ele não deu atenção. Não importava o quanto ela quisesse, ele não queria. Ela sentiu muito, sofreu, se culpou, se perdoou, aprendeu. Demorou, mas ela aprendeu. Ela aceitou a vontade dele. Ela entendeu que aceitar não é desistir – é aceitar. Ele via desde o princípio, ele entendia, ele sabia. Mas ele não queria. Por fim, ela aprendeu: não se pode ensinar quem não quer aprender. Não se pode salvar quem não quer ser salvo.

sábado, 15 de setembro de 2012

Possível

Já era noite  quando você me ligou. Eu caminhava apressadamente para casa quando o telefone tocou. Assim que escutei sua voz sabia que alguma coisa diferente acontecia. E me preparei para nossas simplíssimas conversas filosóficas. Como podemos ser tão profundos e tão simples? A intensidade não nos pesa. Pelo menos, não entre nós. Você começa a conversa com a naturalidade da rotina:
- O meu celular está descarregando, então se a ligação cair depois a gente continua a conversa.
-Você não quer me ligar mais tarde?
- Quero, quero sim. Mas eu só queria saber uma coisa antes da ligação cair.
E eu agucei todos os meus sentidos para escutá-lo. Meus ouvidos se abriram para o seu coração aflito e eu estava disposto a, além de ouvir a pergunta, saber a resposta.

- Pode perguntar.

- O amor é possível? (…)


Eu ri um riso de compreensão. Na verdade a pergunta não era nem essa , quem liga num dia comum, no meio da rotina sem graça dos adultos e lança tal pergunta? Você não quis saber de emprego ou de fofocas. Você tinha pouco tempo e uma dúvida só: o amor é possível?

Senti certa culpa por não ter te respondido antes que perguntasse, eu precisava ter contato. Mas nunca é tarde e com a mesma naturalidade eu te dou a minha resposta:

- Sim, é possível.

E completo:

- É possível, mas eu não sei o caminho até ele.

Não sei o caminho, pois ele surgiu para mim como crianças desaparecem aos nossos olhos – sorrateiramente. Não consegui saber de onde veio. Expliquei logo para não lhe dar falsas expectativas. Mas isso não importava naquele momento. Saber que era possível bastava.

A questão não era se o amor existia, ele existe - você sabe, eu sei, nós sabemos. O que você queria saber era se outro tipo de amor existia. Se é possível amar a mesma pessoa com quem queremos dividir o corpo e a alma. Ou mais, se é possível ser amado por essa pessoa. É possível. O ser amado existe, em todos os sentidos. Suspiro de alívio. Confesso, tive tanto medo de isso ser invenção, sabe? Assim como você tem. E não, não existe ilusão nessa afirmação. É possível na realidade, no presente, na rotina, nos desencontros e nas diferenças. Se é eterno? Sobre futuro não sei dizer. Sobre eternidade eu não sei nada. Daqui a muitos anos terei essa resposta. Ou não.

Então você acredita aliviado em saber que não está esperando o impossível. Você acredita porque eu acredito. E eu espero o teu amor como se fosse para mim, com dúvidas e esperanças. Mas, sobretudo com o cuidado de estar atento para não deixá-lo passar e com a distração de estar leve para não deixá-lo pesar. Amar é coisa rara. Ser amado é mais raro ainda. Nossa busca não chegou ao fim, continuamos os mesmos.

Você desligou o telefone e seguimos nossas vidas. Você levou um pouco de esperança e me devolveu um pouco de busca. Estamos no mesmo caminho. É da estrada que precisamos.